Em cinco anos de existência, o Conselho Nacional de Justiça, instância administrativa máxima do Judiciário, já condenou 16 magistrados e afastou oito preventivamente - a maioria por corrupção. Treze deles receberam a pena máxima: aposentadoria compulsória, mas com vencimentos mensais que chegam a R$ 24 mil. As condenações reacenderam o debate sobre punições a juízes.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) defende pena maior e quer impedir os condenados de advogar. “Se a pessoa foi afastada da magistratura, também não tem condições morais e éticas para atuar na advocacia”, diz Ophir Cavalcante, presidente da OAB, que espera do Senado a aprovação de emenda constitucional que acaba com a aposentadoria e determina a demissão como pena máxima. Projeto semelhante tramita na Câmara.
Um desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM) que vendia sentenças foi condenado este ano, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), à pena máxima na esfera administrativa: aposentadoria compulsória. O mesmo destino tiveram dez magistrados do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT), acusados de desviar aproximadamente R$ 1,4 milhão para uma loja maçônica. Desde que foi criado, em 2005, o CNJ já puniu 16 magistrados, mandando 13 deles para casa, com vencimentos mensais que podem chegar a R$ 24 mil - um desembargador aposentado pode receber até 90,25% do salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que hoje é de R$ 26,7 mil.
As recentes condenações pelo CNJ renovaram os ânimos dos que defendem uma maior punição aos magistrados e levaram a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a estudar, inclusive, uma forma de impedir os condenados de praticar a advocacia. Hoje, um juiz ou desembargador só perde o direito à aposentadoria se for condenado pela Justiça na esfera cível ou criminalmente, situação rara até então. Para que se puna com demissão é necessário que a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) sejam alteradas. Atualmente, tramitam no Congresso Nacional duas propostas de emenda constitucional (Pecs). Uma é de autoria do deputado Raul Jungmann (PPS-PE) e outra da senadora Ideli Salvatti (PT-SP). Os projetos acabam com a aposentadoria compulsória de magistrados e permitem, como punição máxima, a perda do cargo.
“Ter como pena máxima a aposentadoria é uma excrescência”, critica o presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante. A entidade apoia a proposta apresentada pela senadora Ideli Salvatti, que aguarda apreciação pelo plenário. “O lógico é o juiz perder o cargo e, se quiser, discutir na Justiça a decisão administrativa”, diz ele, que contesta também a possibilidade de um condenado poder advogar. “Se a pessoa foi afastada da magistratura, também não tem condições morais e éticas para atuar na advocacia. Vamos incentivar as seccionais a verificar a idoneidade moral de juízes que buscarem a OAB para se habilitar.”
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares Pires, não vê, no entanto, a necessidade de mudança. “Quando você aposenta um magistrado, tira o instrumento de quem estava cometendo a corrupção, que é a caneta”, afirma. Ele lembra que, nos recentes casos julgados pelo CNJ, foi determinado o envio dos autos para o Ministério Público para abertura de ação criminal, que pode culminar com a cassação das aposentadorias. “Precisamos é de mudanças na legislação para acelerar a tramitação dos processos judiciais.”
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) também defende a aposentadoria compulsória e decidiu fazer uma oposição ferrenha à proposta que tramita no Senado. A entidade enviou recentemente uma nota técnica aos parlamentares sustentando que a PEC é inconstitucional. De acordo com o presidente da Ajufe, Fernando Cesar Baptista de Mattos, é preciso ser respeitado o princípio constitucional da vitaliciedade e assegurada a ampla defesa. “Por isso, a perda de cargo só deve ocorrer após decisão transitada em julgado”, diz. “Se a mudança for aprovada, vamos entrar com ação no Supremo Tribunal Federal (STF).”
Mas, se depender da senadora Ideli Salvatti, a legislação deve ser alterada em pouco tempo. A parlamentar conseguiu acelerar a tramitação da PEC. Ela recolheu assinaturas dos lideres partidários para quebrar todos os prazos regimentais e fazer com que a proposta, apresentada em 2003 e que levou seis anos para ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), seja apreciada rapidamente em plenário. “Desembargador e juiz envolvido em falcatrua não pode ter como penalidade a aposentadoria compulsória. Tem de perder o cargo, o salário e, comprovado o ilícito, ir para a cadeia como todo e qualquer cidadão brasileiro”, afirma a senadora.
A aposentadoria compulsória não é a única punição aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão já condenou outros três magistrados a penas menores. Um foi colocado em indisponibilidade. Outro, censurado. E um terceiro foi punido com remoção compulsória. O órgão também afastou preventivamente oito magistrados até o término dos processos administrativos. Um juiz de Natal (RN) foi transferido de uma vara criminal por excesso de autorizações de interceptações telefônicas. Todos podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra as decisões.
O Ministério Público acompanha os processos administrativos abertos contra juízes nas corregedorias internas dos tribunais. Os procuradores pedem a instauração de inquérito judicial quando há indício de prática criminosa, o que pode culminar em uma ação criminal. “Se há condenação, a consequência é a perda do cargo, perda do salário, de tudo”, diz a procuradora da República da 3ª Região Ana Lúcia Amaral, que é contra a aplicação da aposentadoria compulsória como pena para falta grave de magistrado.
Para Ana, o número de juízes levado a julgamento por prática criminosa é preocupante. Nas esferas federal e trabalhista, acompanhadas pelo Ministério Público Federal na 3ª Região, tramitam 11 inquéritos judiciais, sete representações, 11 recursos administrativos - a corregedoria pode suscitar a questão se tem conhecimento de prática de crime - e cinco pedidos de providência ligados a questões criminais. Mas a procuradora contabiliza, até hoje, apenas duas condenações: do juiz João Carlos da Rocha Matos e do magistrado Salem Jorge Cury. Ambas, levaram à perda de seus cargos.
O número baixo de condenações se explica por duas razões. “O processo administrativo é muito demorado. Quando ele vai para o Judiciário e o juiz aplica a pena, pode ocorrer prescrição do crime”, diz a procuradora. Mas o que mais atrapalha, segundo ela, são os pedidos de vista dos juízes. Há casos de processos pendentes de julgamento há dois anos. Nesses casos, a procuradoria recorre ao CNJ, que fixa um prazo para a decisão. “Mas pode ser tarde demais”, afirma.
Quando há resistência dos tribunais, o CNJ — que tem competência concorrente - pode analisar um processo administrativo sem que tenha passado pela corregedoria. “Os tribunais resistem quando o caso envolve desembargador. São mais reticentes em tomar alguma atitude”, diz o juiz auxiliar da Corregedoria do CNJ, José Paulo Baltazar, acrescentando que a situação está começando a mudar com os julgamentos realizados pelo órgão.
Autores: Arthur Rosa e Laura Ignacio, de São Paulo
Valor Econômico - 09/03/2010
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