O que Aécio faria do Brasil que temos hoje?
Encarregado de fazer o contraponto à la carte para a mídia, Aécio Neves sequer roçou a grande pergunta embutida no feixe de avanços sociais e econômicos reunidos pela Fundação Perseu Abramo, para o evento da última 4ª feira, '10 Anos do PT'.
A pergunta é:
'Se voltasse ao poder, o que o conservadorismo faria do Brasil que temos hoje?'
A omissão não deve ser debitada à superficialidade pessoal do provável candidato tucano em 2014.Colunistas da cota reservada a José Serra sibilam essa interpretação.
Maldade.
O fato de Aécio ter omitido preferências não significa que não as tenha.
Ele as tem.
São as mesmas dos seus rivais de partido; as mesmas dos vulgarizadores de seu credo na mídia.
As mesmas marteladas pelos professores-banqueiros encarregados de pavimentar a candidatura conservadora até 2014.
Fácil é defendê-las em artigos acadêmicos.
Palatável, discorrer sobre elas em colunas dirigidas aos iniciados da mesma igreja.
Complicado assumi-las em uma tribuna pública.
Quase inviável assoalhar um palanque presidencial com o seu conteúdo.
A tarefa consiste em desqualificar e desautorizar grandezas sociais de uma mutação histórica dificilmente reversível pelas urnas.
Para ir direto ao ponto mais agudo de uma dinâmica inconclusa mas incontrolável:
As favelas brasileiras reúnem 12 milhões de habitantes e formam hoje um mercado de R$ 56 bilhões.
O equivalente a uma Bolívia.
Não é propaganda do PT. É o resultado da pesquisa feito pelo Data Favela em 2011.
Ela mostra que 65% das populações faveladas pertencem agora ao que se convencionou denominar de nova classe média, ou classe C.
Em 2002 o percentual era de 37%.
Favela continua sendo favela.
Mas o recheio humano mudou. E aí reside o paradoxo de uma dinâmica infernal para aécios e assemelhados.
O mesmo ocorre nas periferias metropolitanas que continuam sendo periferias conflagradas.
Ou nos bairros distantes que continuam carentes de serviços essencias.
E também nos conjuntos habitacionais, vilas e arruamentos rurais do resto do país.
Que continuam sendo tratados como resto do país.
A população aí residente saiu do rodapé da renda para o segmento do consumo popular. Representa agora 52% do Brasil.
O dado banalizou-se.
Mas não a completa extensão do paradoxo político que encerra.
Não o desconforto eleitoral que constrange o discurso do conservadorismo.
A ponto de Aécio recitar frases de efeito que não tem nenhum efeito.
A ponto de Lula, Dilma e o PT, de um modo geral, apostarem que esse impulso ainda pode encher as velas de mais uma vitória eleitoral. Guiada pela promessa do passo seguinte dessa história: a cidadania plena.
Mesmo difuso e ainda sem projeto --que cabe ao PT esclarecer-- o aceno tem receptividade expressiva.
Milhões de brasileiros que formariam um país do tamanho da Argentina deixaram de ser meros sobreviventes de um naufrágido de 500 anos.
Chegara à praia.
Querem mais.
Como dizer-lhes: 'Não, o regime de metas de inflação não comporta vocês'.
Ou, como preferem os professores-banqueiros do PSDB:
'O populismo petista aqueceu a demanda para além do hiato do produto (potencial produtivo acionável na economia; que eles interpretam como um grandeza inelástica)'.
A receita para reverter o desmando é a plataforma que os tucanos e assemelhados hesitam em explicitar em palanque.
Um lactopurga feito de choque de juros e cortes no salário real; a começar pelo salário mínimo.
Quase tão simples assim.
A dificuldade reside no fato de que o 'voluntarismo petista' consumou um colégio eleitoral que hoje elege sozinho um presidente da República, se quiser.
De modo que o problema não é Aécio.
Um Aécio careca enfrentaria a mesma dificuldade.
O balanço reunido pelo PT (http://www.fpabramo.org.br/sites/default/files/Folheto_PT_10anos_governo_Net.pdf) envolve escolhas e desdobramentos que vão além das platitudes da má vontade conservadora.
A tal ponto que argui a zona de conforto da própria agenda progressista.
Para que o fim da miséria seja só o começo, como promete a provável bandeira da reeleição da Presidenta Dilma, há perguntas à espera de uma resposta.
Sobre uma delas o governo se debruça exaustivamente nesse momento.
Trata-se de viabilizar um novo ciclo de investimentos que redesenhe os contornos de um país previsto originalmente para acomodar apenas o terço superior da renda.
A nova cartografia escapa às receitas técnicas que seduzem uma parte do governo.
Reequilíbrios macroeconômicos são indispensáveis.
Mas as soluções imaginadas cobram um protagonista social que as legitimem e ferramentas que as executem.
A hegemonia numérica da chamada classe C sobreviveu à crise mundial do capitalismo porque, entre outras coisas, Lula e Dilma colocaram os bancos estatais a seu serviço.
No ano passado, o Banco do Brasil expandiu em 25% a sua carteira de crédito, à base de agressiva redução dos juros.
A Caixa Econômica Federal ampliou a sua em arrojados 42%.
Para desgosto da mídia que vaticinou prejuízos calamitosos, o BB e a CEF registraram lucros recordes em 2012.
As taxas de inadimplência foram inferiores às da banca privada que, exceto o Bradesco, viu seus lucros minguarem em relação a 2011.
Bancos estatais dominam agora 47% do mercado de crédito no país.
Dispor de ferramentas autônomas permitiu ao governo criar um fenômeno de consumo indissociável da aspiração por cidadania plena.
Isso mudou a pauta política do país ao dificultar sobremaneira o discurso conservador.
Qual seria o equivalente na batalha do investimento?
Por enquanto não existe.
Daí as dificildades dilacerantes que empurram o governo de concessão em concessão. Com resultados ainda imponderáveis.
Como compartilhar esse desafio com quem tem mais interesse num desenlace progressista e bem sucedido: milhões de brasileiros à procura de um país onde caiba a sua cidadania?
A cartilha dos '10 anos do PT' deixou esse capítulo em aberto.
Cabe ao V Congresso do partido escrevê-lo em 2014.
Mas é quase tarde. É preciso correr e começar já.
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