segunda-feira, 23 de março de 2015

Primeira carta a Pedro


Querido Pedro,


Pensei muito, antes de poder começar a escrever esta carta.  Ia começar dizendo “Meu filho”, “Meu querido filho, “Meu menino”, e por aí a fora: meu, meu, meu, etc. ...meu.  Mas, vi que estava errado.  Errado porque você é de fato isso tudo: amado, querido, menino, mas... não é meu.

Não é meu porque sua vida, embora eu tenha mil preocupações como todo pai inseguro e mesmo o mais seguro dos pais, sua vida não me pertence e você pertence à vida, e essa é uma lei imutável que nenhum ser humano pode alterar.

Por isso comecei assim “querido Pedro” retirando o “meu”, porque embora o amor que sinto seja imenso, não poderei viver sua vida que vai se alongar no tempo, até depois, muito depois que a minha.  Essa mesma lei natural, e também imutável, irá apagar um dia de seus olhos minha imagem enquanto meu espírito cavalgará o vento na garupa de minha saudade.

Não posso querer que você seja uma projeção de mim, porque você é você e eu sou eu.  

Somos diferentes, porque as pessoas são diferentes e não existe no mundo duas pessoas iguais, porque a natureza em sua magia não cria duas obras iguais ao longo da eternidade.

Sei de suas dificuldades, que são mais ou menos as que passei na sua idade mas havia esquecido isso, e olhava você com meus olhos de adulto, que ficam sempre voltados para o passado, que nada mais é que um sonho, ao passo que os olhos de um menino olham para o futuro que é uma visão de esperança e de coisas bonitas que esperam para serem vividas.

Quando eu cobrava de você, mandando estudar, se dedicar à leitura, ralar (como se diz na gíria), eu estava na verdade cobrando a mim e não percebia isso.  Achava que seu fracasso seria o meu fracasso, quando na verdade só posso dividir com você sua dor e sua alegria, e era essa na verdade a essência de meu temor: não suportar meu próprio sofrimento que, como o vagão de um trem, viria atrelado ao seu.

Por causa disso não reparava que estava causando um sofrimento maior para você, e essa idade, a que você está vivendo, não é idade para se viver a dor.  

É a idade dos sonhos e das fantasias, da magia dos finais-de-semana, e de se odiar segunda-feira, alface, salada e dever de casa.

É a idade em que, sem começar uma longa caminhada, a gente joga bola, pinta e borda, gosta de sol e sal de mar, de Coca-Cola e sanduba derramando molho e mostarda pelo queixo, pela roupa e pelo chão.

É aquela fase de sonhar sonhos incríveis, em que somos o maior atleta, o super-homem, o mais bonito e charmoso de todos, e amado por aquela menina que consideramos a mais linda, ainda que sequer nos dê uma olhada.

Não é uma idade em que devamos saber das coisas que são feitas para adulto saber, tais como, preocupação, ansiedade, sofrimento, responsabilidade, compromisso, trabalho, e o único cansaço permitido é aquele que vem depois de um dia intensamente vivido com emoção e amor.

É a idade de cirandar em sonhos, de aprender brincando, de amadurecer lentamente como a uva na parreira ou como as flores que esperam pela primavera.

Nessa fase da vida só é proibida uma coisa: não ser feliz.

E eu descobri que, na minha ânsia de preparar seu amanhã (tarefa impossível), estava provocando sua infelicidade no hoje (estupidez total).  

É grande estupidez porque ninguém pode ser feliz no ontem nem no amanhã.  Só podemos viver a felicidade no hoje.

São 4:56 horas da manhã do dia 7 de setembro de 1996 (veja só, Dia da Pátria, dia da Independência do Brasil!), você está dormindo e estou aqui amando você através de cada letrinha que coloco nessa carta, enquanto fumo um cigarro e um ventinho frio e gotoso  passa pelas frestas da janela, balança a cortina e brinca com a fumaça que flutua no ar.

A vida não é um “bicho-de-sete-cabeças”, e você tem todo o tempo do mundo para descobrir isso. 

Não passar de ano, também não é nenhum fim do mundo.  Acontece e tem como única consequência fazer com que fiquemos mais tempo na escola e tenhamos que percorrer o mesmo caminho duas vezes.

Para que as pessoas gostem de nós, é simples: basta mostrarmos que também gostamos delas e as respeitamos.  

Existem palavras mágicas, que têm a mesma força de um sorriso e o poder de abrir qualquer porta (principalmente as portas do coração); entre elas: “muito obrigado”, “desculpe”, “com licença”, “por favor”, sim, senhor”, “sim, senhora”, entre algumas outras.  

Use-as, use-as com a moldura de seu sorriso, e... tudo vai ficar bem mais fácil!

Você não vai ficar de castigo por isso.  Acho que será um grande castigo ter que repetir o ano e fazer tudo de novo.  

Mas pode contar comigo, para estudar com você, quando quiser e, logicamente, quando eu não estiver estudando, já que meu trabalho é um estudo que não vai terminar nunca, enquanto eu estiver por aqui.

Pedro querido, embora não seja “meu”, é por mim amado, respeitado e dono de um terço de meus sonhos (os outros dois terços você sabe de quem são).  Mas essa porção não tem medidas nem instrumentos para que o homem possa mensurar.

Viva sem medo e com alegria no coração.  

A vida é uma grande e maravilhosa aventura e, com certeza, ela sabe que, ao seu lado, tudo fica muito mais bonito.

Desse pai que elegeu você como maior amigo,

Paulo.

Rio de Janeiro, 07 de setembro de 1996.

Às cinco horas e vinte e três minutos da manhã.”

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