A decadência do pefelê.
Por Wagner Iglecias*
O Partido da Frente Liberal surgiu em 1985, de uma dissidência do então Partido Democrático Social (PDS), na linhagem direta da antiga ARENA, braço civil do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Composto, basicamente, por lideranças de oligarquias regionais, o partido foi fundamental na formação da Aliança Democrática, composição feita com o PMDB para dar a vitória ao oposicionista Tancredo Neves sobre Paulo Maluf no Colégio Eleitoral.
Acostumado ao poder, o PFL governou com José Sarney, apoiou Fernando Collor de Mello e compôs, com Marco Maciel, a chapa vitoriosa de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994 e 1998. Só foi apeado do governo federal com a chegada de Lula à presidência da República, em 2003. Entre suas principais lideranças estiveram importantes figuras políticas regionais da História recente do país, como Antônio Carlos Magalhães, Jorge Bornhausen, Aureliano Chaves e o próprio Maciel.
A prisão do governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e a cassação, em primeira instância, do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, constituem-se em mais dois turbulentos capítulos na história do partido. O PFL vem sofrendo um lento processo de decadência nos últimos anos, agora acelerado pelos dois episódios. Desde pelo menos o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, essa tendência já se vislumbrava e intensificou-se com a ida do partido para a oposição, após a vitória de Lula e do PT nas eleições de 2002.
Ao longo de sua história, o PFL caracterizou-se como um partido unido em torno de interesses relativamente comuns às suas várias facções regionais. Mais ou menos aos moldes do PMDB, o PFL constituiu-se como uma federação de caciques políticos locais, que nunca lograram êxito em construir, com chances reais, um projeto unificado para disputar a presidência da República. Desta forma, desde a sua fundação a legenda gravitou em torno de partidos mais competitivos em nível nacional. De fato, além das afinidades ideológicas, o cimento que uniu as lideranças que compunham o PFL foi a possibilidade de participar, em aliança com outras forças políticas, do governo federal.
É notório que a oposição encolheu nos anos Lula, e o PFL parece ter sido a maior vítima deste processo. O partido tem perdido tradicionais redutos eleitorais, sobretudo na região Nordeste, seu berço político, e embora ainda conte com uma expressiva bancada no Senado Federal, vê sua participação na Câmara dos Deputados diminuir a cada eleição. Em 1998, ainda no governo federal, a agremiação elegeu 105 deputados federais. Quatro anos mais tarde, foram 84. Em 2006, o partido elegeu 65 deputados federais e apenas um governador, e conta atualmente com 56 deputados, tendo sofrido, desde 2002, algumas baixas por conta da migração de parte de sua bancada para legendas da base de apoio do governo Lula.
Diversas são as razões para explicar o encolhimento do PFL. Em primeiro lugar é importante ressaltar as transformações vividas pela sociedade brasileira nas três últimas décadas. É fato que os padrões clientelistas que caracterizavam as antigas relações das oligarquias políticas locais com seus respectivos eleitorados estão sendo superados, ou ao menos minorados, dado que os anseios do eleitor têm se deslocado, crescentemente, para algo além da satisfação das necessidades materiais mais imediatas, fenômeno que tem tido profundo impacto sobre lideranças políticas locais que atuavam sob aqueles antigos padrões.
Em segundo lugar é importante notar que os dois partidos mais competitivos no cenário nacional, PT e PSDB, ambos de origem fortemente urbana e ancorados nos setores mais modernos da sociedade, enraizaram-se nos chamados grotões, tanto com Fernando Henrique quanto com Lula. A chegada destas legendas aos pequenos municípios do interior do país, muitos dos quais onde o PFL transitava com maior desenvoltura, comprimiu o espaço tradicional do partido no mercado eleitoral. Uma terceira razão explicativa é que o rol de amplos e capilarizados programas sociais, sobretudo nas regiões mais pobres do país, também tem contribuído para o declínio político e eleitoral de algumas das principais oligarquias regionais, especialmente aquelas tradicionalmente abrigadas no PFL.
Em quarto lugar ressalte-se a histórica debilidade da agremiação no Centro-Sul, especialmente nas grandes metrópoles, onde na maioria das vezes o partido conseguiu constituir-se, apenas, como a quarta ou quinta força política. Como se sabe, o PFL chegou em 2004 ao comando da cidade do Rio de Janeiro muito mais por conta do carisma pessoal que tinha à época o ex-prefeito César Maia do que por ocasião da força política local do partido, e conquistou a prefeitura de São Paulo há dois anos por ocasião das razões que motivam as ambições do governador José Serra em relação à presidência da República e de sua providencial aliança, no pleito municipal de 2008, com Orestes Quércia, do PMDB.
Apesar da existência de uma significativa parcela conservadora no eleitorado paulistano, é bastante provável que o PFL jamais conquistasse sozinho o comando da maior cidade do país. Associado ainda à crônica debilidade política e eleitoral do PFL no Centro-Sul do país está o fato de que seu parceiro preferencial, o PSDB, sempre contou com maior trânsito junto aos setores mais dinâmicos da economia, como o sistema financeiro, crescentemente globalizado, e a indústria paulista.
O destino também não foi muito sorridente para o PFL. Para além das grandes transformações políticas e sociais ocorridas no país desde meados dos anos 1980, alguns fatos específicos constituíram-se como duros golpes para o partido, como a morte prematura do deputado Luís Eduardo Magalhães, em 1998; a renúncia de ACM ao cargo de senador em 2001, após um prolongado processo de desgaste junto à opinião pública por conta da crise da adulteração do painel do Senado; a erosão, em 2002, da então ascendente candidatura presidencial de Roseana Sarney depois da apreensão, pela Polícia Federal, de R$ 1,34 milhão em dinheiro na sede da empresa Lunus, pertencente à senadora e a seu marido; assim como o fim melancólico do governo de Jaime Lerner, no Paraná, também em 2002.
Além de todos os fatos mencionados, lembre-se que o tempo passou e o velho pefelê, de fato, envelheceu. Gente como Bornhausen, Maciel, Roberto Magalhães, Hugo Napoleão e tantos outros têm perdido espaço para lideranças políticas mais jovens em seus respectivos estados. A tentativa de refundação do partido ocorreu em março de 2007, com a mudança do nome para Democratas e a iniciativa de transferir o comando da legenda, gradualmente, para lideranças jovens como Rodrigo Maia e ACM Neto.
Nem bem o processo se concluiu e sobreveio a crise econômica do subprime, que tem provocado importante mudança no pêndulo ideológico sobre o papel do Estado na economia, a qual bate de frente com os ideais liberalizantes de partidos de centro-direita no mundo todo, DEM incluído. Para piorar, mal a crise econômica começou a dar sinais de estar sendo superada, pelo menos no Brasil, e vieram à tona os casos de Arruda e Kassab. Como diria o velho Magalhães Pinto, político mineiro com grande proximidade ideológica com o PFL, política é como nuvem, muda a toda hora. Mas, pelo que se avizinha daqui até as urnas, em outubro, é provável que o processo de decadência do DEM só tenda a se acentuar.
*Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor do Curso de Gestão de Políticas Públicas da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Fonte: Pragmatismo Político