Proibição da maconha...
Para se pensar, e até estudar, para falar com propriedade...
“A partir dessas bases locais, nacionais e étnicas, fundadas na identidade e baseadas em relacionamentos interpessoais de confiança/desconfiança (que se impõem, naturalmente, por força de metralhadoras), as organizações criminosas atuam em uma ampla gama de atividades.
O tráfico de drogas é o principal negócio, a ponto de se concluir que a questão da legalização talvez seja a maior ameaça que o crime organizado tenha de enfrentar. Mas elas podem confiar na falta de visão política e na moralidade distorcida de sociedades que não se permitem chegar ao âmago da questão: a procura rege a oferta.
A causa do vício das drogas e, consequentemente, da maioria dos crimes cometidos no mundo reside nos danos psicológicos infligidos nas pessoas pela vida cotidiana de nossas sociedades. Portanto, em um futuro previsível, haverá um consumo maciço de drogas, a despeito dos mecanismos de repressão existentes.
E o crime organizado global encontrará formas de atender a essa demanda, transformando-a sempre em negócio altamente lucrativo e na principal causa da maioria dos outros crimes.”
(Manuel Castells, sociólogo)
“Assim, a proibição e a criminalização das drogas constituem uma grande estupidez, pois transformam um suposto problema de saúde pública em uma violenta guerra civil. Certamente, é melhor, e mais fácil, enfrentar uma epidemia, oriunda da descriminalização, porém tratada em hospitais e por médicos; do que continuar alimentando uma guerra de baixa intensidade contra o narcotráfico, os narcotraficantes e os crimes derivados.
A descriminalização pode matar de overdose, porém só atinge os usuários de drogas, ou seja, se restringe a um grupo específico de pessoas; enquanto que a proibição e a criminalização matam não só de overdose, mas também a tiros e atingem a sociedade como um todo, matando homens, mulheres e crianças.
É pertinente, neste ponto, citar a entrevista dada, na década de oitenta, por Carlos Lehder – primeiro grande narcotraficante colombiano a exportar cocaína para os EUA. Nesta entrevista este narco afirmou que o problema da droga teve início com a aprovação, nos EUA, durante o governo de Richard Nixon, em 1970, de uma lei que transformava o tráfico de cocaína em um delito de máxima gravidade. Com isso o preço da droga passou de $ 3.000 (Três mil dólares) para $ 30.000 (Trinta mil dólares) o quilo. Então, de acordo com Lehder, traficar cocaína se converteu em um grande negócio que trouxe a violência, a intranqüilidade, as armas e a máfia.
Neste mesmo sentido, Antonio Caballero, jornalista colombiano, conta, em seu livro “Patadas de Ahorcado” (2002), que antes dos governantes da Grã-Bretanha proibirem a droga em todo o país havia, segundo um censo realizado na época, algo em torno de mil e quinhentos usuários de heroína e cocaína. Compravam a droga em farmácias e com receitas médicas. Porém, quando proibiram a droga, o número de usuários pulou para a casa do milhão e meio. Por isso, de acordo com este jornalista, nada demonstra de maneira mais cristalina a imbecilidade das políticas contra as drogas.
Contudo, Caballero ressalta que é imbecilidade se pensada do ponto de vista da saúde pública, porém astúcia se analisada do ponto de vista do negócio, pois, de acordo com ele, o que faz com que as drogas sejam o segundo dinheiro mais volumoso do mundo, somente superado pelo que produz o negócio das armas, é a proibição. Se não fossem proibidas seriam tão baratas quanto os chás ou os cafés.
Myléne Sauloy e Yves Le Bonniec (1994), na obra “A quien beneficia la cocaina?” informam que as políticas antidrogas no âmbito mundial derivam do modelo repressivo adotado pelos EUA e que foi imposto aos demais países por intermédio da pressão americana nos organismos transnacionais e da implantação dos procedimentos de certificação criados pelos norte-americanos.
Para estes autores, a idéia dos gringos se baseia numa fé inquebrantável na lei da oferta e da procura, pois consideram que reduzindo o fluxo de drogas, por meio da repressão, fazem baixar a oferta global do produto no mercado e subir o preço de venda ao consumidor. Desgostoso, o usuário de droga abandonaria um vício que se tornou demasiadamente custoso. Contudo, a lógica elementar do raciocínio só omitia um detalhe: o custo de produção de um produto incide de maneira importante no seu preço final, ou seja, o preço do quilo da cocaína se multiplica por mil entre o produtor e o consumidor graças, justamente, a proibição.
Como prova disso, Myléne Sauloy e Yves Le Bonniec (1994), citam o fato de que nas ruas de Nova York, o preço do grama da cocaína farmacêutica, com uma pureza de 99%, gira em torno de $ 3 (três) dólares, enquanto o preço desta mesma droga no mercado paralelo das ruas, com uma pureza de 25%, vale 30 ou 40 vezes mais, dependendo do período.
Neste contexto e a partir da visão dos autores e atores citados, pode-se estabelecer uma ligação direta entre a criminalização das drogas, o lucro do negócio e a violência derivada, ou seja, o lucro exorbitante gerado pela proibição faz surgir grupos e pessoas dispostas a atuarem no negócio, tais como os cartéis colombianos (Medelin, Cali, etc) e os Comandos cariocas (Comando Vermelho, Terceiro Comando, Ada), e sendo este um negócio ilícito, a violência faz parte de sua estrutura, ou seja, é o meio natural e eficaz de solução de controvérsias e conflitos desta área.
Além disso, o funcionamento normal do negócio das drogas exige a prática de uma série de outros crimes paralelos, tais como a corrupção de autoridades públicas, o tráfico de armas, o assassinato de inadimplentes e maus pagadores, o assassinato de policiais, a corrupção de menores p/ a prática de crimes, etc.
Resumindo, a proibição e a criminalização geram um efeito cadeia na criminalidade, aumentando exponencialmente a violência em geral, pois o narcotráfico alimenta e incentiva a prática de uma série de outros crimes necessários ao funcionamento regular do negócio das drogas.
Outro elemento que contribuiu para a escolha deste tema foi o meu interesse em desvendar e compreender o mundo da criminalidade organizada. Por isso capturo e centralizo dados e informações, assim como desenvolvo, independentemente, pesquisa exploratória sobre o narcotráfico e crimes conexos, inclusive, para observar alguns aspectos do narcotráfico morei, durante o segundo semestre de 2002, na favela da Rocinha e, neste mesmo período, estagiei em um escritório de advocacia do Rio de Janeiro que defendia o narcotraficante Fernandinho Beira-Mar. Assim tive acesso a peças processuais que descreviam uma parte do funcionamento do negócio da droga no Brasil.
Além disso, passei todo o ano de 2003 viajando pela região norte do Brasil, Colômbia, Peru e Bolívia, a fim de analisar as ramificações do narcotráfico e suas ligações com a sociedade, o povo, a economia e outros grupos criminosos destas localidades. Pretendo utilizar estes dados e informações neste trabalho e nas pesquisas de pós-graduação.
Esse contato direto com os principais atores envolvidos na questão do narcotráfico e a infiltração em áreas de risco forneceu-me conhecimentos e estratégias, assim como experiências para desenvolver pesquisas de campo relacionadas com questões de violência e criminalidade, principalmente coleta de dados e acesso a pessoas, que são essenciais para análises e estudos realizados na Universidade.
Enfim, diante desta realidade, gestada pela proibição e criminalização das drogas, percebe-se que o legislador, na desculpa de proteger a saúde pública, criou uma guerra civil que está matando muito mais pessoas do que mataria as drogas, se fossem liberadas, sem contar a corrupção de autoridades públicas, o tráfico de armas e as superlotações dos presídios, pois é grande o número de condenados por narcotráfico. Junta-se a isto as milhares de mortes e os crimes derivados, tais como roubos, furtos e lesões corporais que tem como motivo o uso de drogas, ou seja, o legislador, para tutelar a saúde pública proibiu as drogas e, com isso, além de criar um novo crime, alimentou outros crimes, aumentando exponencialmente a violência na sociedade.
Além disso, são pertinentes as considerações do General norte-americano Paul Gorman, ex-comandante do Comando Sul no Panamá, que, ao analisar a questão das drogas, concluiu: "Digamos que se queira fundar um movimento de resistência armada ou empreender uma ação armada com qualquer fim, o lugar propício para encontrar dinheiro e fuzis é o mundo das drogas." Isso fica demonstrado na relação existente entre os traficantes de heroína do sudeste asiático com os terroristas talibãs, assim como entre os paramilitares colombianos e os cartéis de cocaína.
No Brasil o narcoterrorismo, perpetrados por grupos narcotraficantes (Comando Vermelho, Terceiro Comando, etc), está presente nas favelas do Rio de Janeiro e, nas últimas semanas, se manifestou na Cidade de São Paulo, por meio de ações do grupo criminoso PCC (Primeiro Comando da Capital) que também atua fortemente no negócio das drogas, dentro e fora dos presídios.”
(Fragmento da tese de pesquisa de Leonildo Correa da Silva)
Breve em um cinema perto de você...
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