domingo, 15 de julho de 2007

A CHACINA OFICIAL







OS MORTOS SEM “ROSTO” DO COMPLEXO DO ALEMÃO

Os governos Federal e do Estado do Rio de Janeiro promovem nos últimos dois meses no Complexo do Alemão, mais uma operação policial, que a título de combater o tráfico de drogas, já causou ao menos 43 mortos e 81 feridos, sem qualquer resultado prático na melhoria das condições de vida da comunidade. O secretário José Mariano Beltrame, sob as ordens do governador Sérgio Cabral e apoio expresso do Presidente Lula, declarou que a polícia está disposta a manter o confronto. Afirmou que essa é uma ação sem data para terminar, e trata-se de um remédio amargo para a cidade do Rio de Janeiro. Ou seja, os trabalhadores continuarão impedidos de trabalhar, as crianças e adolescentes permanecerão sem escola e lazer e as mortes em massa continuarão. E, pior, a já testada política de segurança de confronto, comprovadamente ineficiente no combate ao crime organizado no Rio de Janeiro, que já foi até estimulada pela gratificação “faroeste”, é tratada como uma grande novidade por esse governo. Essa política de segurança compromete o futuro de gerações de crianças, adolescentes e jovens que além de estarem submetidas ao medo da violência do tráfico, também passam a ser massacradas pelo medo da violência do Estado.

Mas, enfim, quem são os mortos do complexo do alemão? Qual era a história de vida destas pessoas mortas? Qual era a identidade dessas pessoas? Quais eram os seus nomes e idades? Eram crianças, adolescentes ou jovens ? Eram homens ou mulheres? Qual a origem étnico-racial ou regional dessas pessoas? Qual era o rosto destas pessoas? Em que circunstâncias cada vida foi ceifada? Havia acusações contra os mortos? E, se havia, as mesmas não deveriam ser investigadas e comprovadas ? Os indícios de crime seriam suficientes para justificar as mortes dos acusados?

A maioria das perguntas anteriores tem sido respondidas pelos órgãos de segurança do Governo do Estado do Rio de Janeiro, peremptoriamente, por meio da seguinte afirmação: todos eram traficantes. Caso fosse possível comprovar que todos eram traficantes, essas mortes estariam justificadas? É evidente que não. A justificativa de criminalizar a pobreza produzindo tantas mortes sem rosto, taxando-os de traficantes não é questionada, por expressar a crença de parcela da sociedade carioca, que aposta no recrudescimento da violência como meio de enfrentar as desigualdades sociais.

Assim, o Governo do Estado, tenta justificar sua política de “enfrentamento”, causadora de um “banho de sangue” no Complexo do Alemão, sem expressamente calcular o risco das suas operações para a vida dos moradores das favelas. E, desta circunstância surgem outras indagações: A vida humana vale quantas armas apreendidas? Cada morte pode ser justificada por quantos quilos de cocaína ou maconha? Qual o resultado prático dessas operações? Quantos empreendedores do crime organizado foram atingidos?

É óbvio, que nessas operações policiais de confronto, travadas em meio a áreas pobres de latentes conflitos sociais, não há trocas de margaridas e rosas entre as partes envolvidas. A política de segurança de confronto do Estado gera uma violência cujo resultado é semelhante à violência produzida pelo crime organizado: mortes, apartação social e o medo.

O repúdio a essa política de segurança de confronto policial, que mede forças com o crime organizado, não significa apoio à violência que também o tráfico impõe a várias comunidades de favelas. Mas, é necessário afirmar que é dever do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e não do tráfico, respeitar a dignidade de qualquer vida humana, avaliar racionalmente os riscos de onde vão parar as balas dentro das comunidades faveladas do Rio de Janeiro, refletir como o confronto transforma o medo numa ordem institucional, que subordina, humilha e compromete a vida com dignidade dos cidadãos que moram nas favelas do Rio de Janeiro.

A política de segurança de operações de confronto institucional, que põe como alvo qualquer morador favelado, deve ser repudiada pela sociedade carioca. Essa política acentua a segregação territorial das favelas, a discriminação, agravando a exclusão, a opressão e marginalização cujas origens, sabe-se, são as ações e omissões históricas da Prefeitura do Rio de Janeiro, do Governo do Estado do Rio e do Governo Federal que tiveram oportunidades e não concretizaram políticas urbanas e ambientais de habitação e saneamento básico, moradia, educação, cultura, saúde, emprego e renda prescritas pelos Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DHESC).

Assim, considerando os atos comissivos e omissivos de violação dos direitos humanos pelos aparelhos de segurança pública federal e estadual , contra os mortos “sem rosto” do complexo do alemão e de outras favelas cariocas; considerando essas mortes e o abandono social como desrespeito à dignidade humana dos moradores das favelas cariocas – cujas vítimas imediatas são os afrodescendentes, os grupos de migrantes nordestinos, crianças, adolescentes, jovens e idosos ; considerando as expressas impossibilidades dos acionamentos isentos dos mecanismos de jurisdição interna (federal e estadual), resolvemos encaminhar petição de denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH – da OEA (Organização dos Estados Americanos) contra a República Federativa do Brasil e o Estado do Rio de Janeiro por violação de direitos humanos prescritos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

MINHA GRATIDÃO E MEU AMOR


Meus amados amigos.


Não vou nomear um por um, nem os que conheço pessoalmente nem os que virtualmente a vida colocou em meus caminhos.

Levaria mais tempo que dizer simplesmente: amo vocês.

Nunca me envergonhei de dizer que amo vez que para o poeta o amor é ar e me conduziu e conduz meus passos e me norteia aos meus ideais.

Amo amar, amo o amor e amo a humanidade, amo ser humano e amo o ser humano, independente de qualquer erro que tenha cometido, pois errar é da natureza humana e perdoar é da natureza do amor e convivo bem com essas coisas.

Razão por não me importar com críticas e por lutar contra o que é contra o amor:a a tortura,a intolerância, o ódio, ditaduras, ditadores e qualquer coisa que impeça o homem de ser feliz em sua plenitude.

Escrevo agora vez que voltei, ou estou voltando com vagar a esse nosso convívio. Estava impedido por razões imperiosas.

Então, já de volta a ao lado da Poesia, da Liberdade, do Amor e da Vida, agradeço a cada um e a cada um desejo longos tempos de paz e proteção.

Meu perfil já esclarece que sou "filho de um momento terno entre a Terra e o Sol, amante da Vida e da Poesia e afilhado do Tempo", e a eles rogo na certeza de que sou ouvido:

- Que vocês sejam felizes! Que sejam tempos felizes e inesquecíveis! Que o Rio de Janeiro, que o Brasil tenha Paz, toda a Paz que precisamos. Que tenhamos Justiça Social, que tenhamos capacidade de nos indignarmos contra o injusto. E, acima de tudo: que clamemos, que ergamos nossa voz nessa aliança por uma vida melhor para todos nós, sem exceção de ninguém: dos templos às calçadas, dos palácios aos presídios, pois enquanto houver um só injustiçado a Justiça não sorrirá sua plenitude. Não haverá Justiça!

Um beijo ao coração e à alma de todos.

Paulo da Vida Athos.

Ps. Amigo e Mestre Leotti, agradeço o acróstico de lisa cultura e pura poesia e amizade. Publicarei assim que estiver mais forte.

quinta-feira, 12 de julho de 2007

MAR E LUZ, AMAR E LUCE. MARILUCE


Luce,

Mariluce

de

todas as luzes

e

dona

de

minhas auroras.






Você entrou em minha vida, em 29/10/1976. Menina ainda, ainda em flor, magnificamente bela, e seus olhos castanhos eram como dois lagos intocados e transparentes à minha alma. Poeta incurável e crônico, de pronto percebi que todos os meus amores haviam na verdade me preparado para aquele momento fantástico e indescritível: sim! Chegara o amor que eu esperara por uma vida inteira. Eu contava 25 anos (iria fazer 26 em agosto) e você contava com 17...

O mundo em que nos conhecemos era inóspito e selvagem. Você não percebera pela pureza de sua alma, de sua vida. Eu o ignorei solenemente por saber sonhar.

Sim, poetas sonham tridimensionalmente e desconstroem o mundo para reconstruí-lo de acordo com suas querências.

Naquele momento mágico minha alma encontrara sua parte perdida em algum ponto qualquer do universo e do passado e se reencontravam ali, no mundo da Música que é prima-irmã da Poesia. Fácil para um poeta perceber e se perder...

E me perdi me encontrando em seu olhar, em suas digas, em seu encantamento.

Pronto! Meu amor realizava sua plenitude e me tornava pleno e descobri que existia o orgasmo poético e até hoje seu sêmem jorra de meu interior em digas que dizem iras, em falas que falam de amor.

Mas ao entrar em minha vida trouxe muito mais. Eu, fruto de um momento de amor esquecido, tornei-me filho da Vida e afilhado da Liberdade tendo como Tempo o pai e minha casa eram todas as ruas de todas as cidades. E embora o amor e a capacidade de amar existissem em mim desde muito menino, e de força e intensidade indizíveis, poucas foram as vezes em que permiti sua manifestação, especialmente no período entre a minha primeira infância até meus treze anos. Depois o prendi e esqueci onde guardei a chave, até que você chegou naquela primavera com ela nas mãos e nos olhos.

Mas não foi só essa a chave que você me trouxe. Com ela trouxe aquilo que é a referência da Vida, a família. Trouxe um pai, uma mãe, uma irmã e até (veja como você é completa!), até um avô!!!

Papai Waldemar, mamãe Alba, Marialba, o nono...

Esse amor, ou essa forma de amar e de ser amado, aprendi sua plenitude através desse encontro, naquela primavera você acendeu todas as flores do jardim de minha vida. Aliás, quase todas...

Depois nos casamos. Na manhã de 17 de julho de 1982. Tinha que ser de manhã para que você com sua luz não acanhasse as luzes que seriam acesas nem a da lua e das estrelas que nas noites de inverno são sempre mais brilhantes.

Então sim, chegaram a Juliana e o Pedro, frutos de uma árvore enxertada por raízes vindas da luz, de Luce com seu dom de amar, já que Amar e Luce tem tudo em comum...

E, para completar a perfeição, Paula e Gustavo.

Nunca fui perfeito, vez que poetas não são perfeitos para esse mundo. Se fossem não tentariam mudá-lo com suas palavras e com sua inaceitação.

Mas como a Vida sempre me amou, colocou a perfeição para caminhar comigo ao longo dessa jornada e a cada dia que passa você é mais perfeita e a beleza que emana mais bonita.

Queria escrever isso mais adiante, mas o faço hoje para entregar para você ler mais tarde. Mas as digas do poeta são como filhos e logo as queremos ofertar à viva, ao mundo, ou a quem as inspirou.

Não! Não vou esperar nem mais um minuto e as coloco diante de seus olhos. Esse é o banquete que a Poesia me ensinou, o pão cuja massa aprendi a misturar com minhas lágrimas e sorrisos, alegrias e dores, nos momentos de fome ou de fartura, temperados com as qualidades do amor que você me ensinou a amar.

Bem que poderia esperar mais cinco dias (se tudo correr bem faremos Bodas De Prata e aguardaremos mais 25 anos para as de Ouro).

Mas o que são cinco dias diante do que tem a qualidade de eterno?

No mais, não esqueça que assim como seu amor nasceu para me amar... nasci para amar você.

Como na despedida de minha primeira carta escrita para você há 31 anos atrás, repito aquela frase...

- Beijo seus olhos!

Rio de Janeiro, 12 de julho de 2007, 5 dias antes do dia 17 de julho, mas quase 31 anos depois em que em você descobri que somos um...

Paulo

quarta-feira, 11 de julho de 2007

MEUS IRMÃOS.



Cidão e Corsário,


Amanhã, quinta, estarei fazendo um exame e certamente tudo correrá bem e depois de amanhã estarei novamente amando e sendo amado pela vida. Esse amor é antigo e se renova a cada manhã, e mesmo quando aos meus olhos impermitiam contemplar o azul do céu, eu o via através dos olhos de minha imaginação. Coisa de poeta e de louco.

Escrevo agora quando a noite já caiu junto com a chuva para lavar o ar e as calçadas para minha alegria e prazer. Gosto muito do barulho dos pingos da chuva que cancionam em meu telhado (temos muita sorte de termos telhas em nossas casas), e essa canção me leva a tempos idos e a pés descalços correndo pelos paralelepípedos em regatas memoráveis onde os veleiros eram palitos de sorvete que pegávamos nas calçadas (claro que tinha sempre um mais engenhoso, mas de pouco sonhar, que fazia um barquinho de papel que não suportava as corredeiras nem os pingos das chuvas). E assim muitas foram as horas e as tardes de minha infância.

De lá para cá, nunca abri mão de meu maior tesouro: sonhar. Muito menos deixei de agradecer à Vida as coisas belas que me permitiu e permite viver, a mulher e os filhos que colocou em meu caminho, nem as lágrimas que derramei. Tudo isso fez de mim o que sou e gosto de ser quem sou.

Entre os tesouros que a Vida coloca em nosso alforje, nessa viagem sem começo nem fim, o amor e a amizade são os maiores e mais valiosos, mas, ao contrário de meu xará que ficou cego quando se dirigia para damasco: a Amizade é maior que o Amor.

Falo do alto de minha experiência em Amor! Afinal, quem convive mais com o Amor que o Poeta?

Muitos vivi até encontrar minha mulher que começou com a paixão, passou pelo Amor comum, até ser o que hoje é: o Amor-Amizade, que nunca morre.

Nunca tive nem fui de ter muitos amigos. Sou amante exigente e desconfiado...

Além de meus filhos e de minha mulher, amigos só tive ao longo da vida, quatro ou cinco. Desses, apenas vocês continuam vendo o mesmo azul e respirando as mesmas auroras que eu. Os demais se foram antes de mim, antes de nós, para o grande oceano indecifrável para onde todos irão um dia.

Por isso, por não saber se amanhã dançarei minha última valsa com minha derradeira namorada, quero aqui deixar registrados meus sentimentos, minha amizade, meu respeito, minha admiração e o grande amor-amizade que sinto por cada um de vocês que sempre estiveram presentes em minhas horas, independente se eram nubladas ou raiadas de luz.

Agradeço à Vida por ter conhecido e poder privar dessa amizade leal e inteira, que recebo de vocês.

Não poderia deixar de falar isso agora vez que faço o que manda meu coração, como todo poeta.

Vida longa, paz e saúde para os dois, para a mais velha, para as crianças e para os que amam vocês!

Rio de Janeiro, 20:28h do dia 11 de julho de 2007.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

GUERRA NO ALEMÃO E A CORTINA DE FUMAÇA


MILÍCIAS SÃO A NOVIDADE, MAS PERMANECEM OCULTAS

(Segundo debate sobre as raízes da violência)

Todo o noticiário atual sobre embates entre polícia e traficantes no conjunto de favelas chamado Complexo do Alemão, mais especificamente na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, omite uma informação essencial: entre bandidos e polícia existe hoje uma terceira força que estende seu domínio territorial na cidade do Rio de Janeiro, que há cerca de dois anos o jornal O Globo denominou de “milícias”, mas cujo nome correto é grupos de extermínio. É formada por policiais e ex-policiais. A crise atual no Complexo do Alemão esconde esse fenômeno, abordado em importantes reportagens nos jornais em 2005 e 2006.

Raramente se terá visto episódio em que a falta de visão crítica na mídia tenha sido tão escandalosa. Emissoras de televisão e de rádio, jornais e revistas tratam do “cerco” aos bandidos da Vila Cruzeiro como uma operação de segurança pública a serviço da população, coisa que, na opinião de três professores entrevistados pelo Observatório da Imprensa, ela não é.

Ontem (18/6), os três professores do Rio de Janeiro que participaram do segundo debate sobre as raízes da violência promovido pelo O.I. (leia adiante) foram ouvidos para atualizar suas participações, à luz do noticiário das 14 semanas transcorridas desde então.

“O cerco é uma dramaturgia”

O sociólogo Paulo Baía diz que destino do cerco no Complexo do Alemão é o mesmo de cercos anteriores, como os realizados na Rocinha em 2003/2004 e no início dos anos 1980. Baía diz que há uma mise-en-scène: a polícia atira para o alto e os bandidos atiram no blindado.

“Ninguém discute hoje no Rio o que é a novidade das milícias”

O sociólogo José Cláudio Souza Alves diz que o problema básico da segurança pública no Rio de Janeiro é a milícia, “que é simplesmente a polícia que antes fazia toda uma estrutura oculta, sempre de forma ilegal e escondida, em termos de violência, e hoje parte para um esquema muito mais aberto, de concorrência mesmo em relação ao mercado do crime, da ilegalidade”.

“Existe alguma coisa que movimenta quantidades de dinheiro e provoca a disputa”

Segundo o geógrafo Andrelino Campos, “existe alguma coisa mais adiante, que a gente não está conseguindo perceber, que movimenta quantidades de dinheiro que talvez sejam interessantes para manter a disputa. Porque só droga, atualmente, eu acho que é muito pouco. Seqüestro e outras coisas movimentam bastante, ou existe uma outra perspectiva, uma coisa bastante encoberta, que a gente não consegue detectar, que motiva essa luta desesperada por pontos de venda. Que agora eu não sei mais se são de drogas, se são de armas, de que são”.

A FALSA AUSÊNCIA DO ESTADO

Artigos e reportagens recentes falam de uma ausência do Estado em favelas do Rio de Janeiro dominadas por traficantes. Em 9 de junho, no Globo, Merval Pereira (“O Haiti é aqui? A ocupação”) citou o sociólogo da Universidade de Brasília Antonio Jorge Ramalho da Rocha, que trabalha com a tropa brasileira em missão de paz no Haiti, referindo-se ao Rio de Janeiro: “.... bairros marcados pela ausência de autoridades públicas e locais assemelhados”.

No Estado de S. Paulo de domingo, 17 de junho, reportagem de Márcia Vieira (“R$ 1 bi do PAC bancará teleférico no Alemão, parque e obras em favelas”) reitera citações do gênero. Por exemplo, a do arquiteto Luiz Carlos Toledo, que instalou um escritório na Rocinha: “O governo está pagando por ter virado as costas para a Rocinha durante 80 anos”.

Afirmações aceitas sem contestação pelos jornalistas. Fazem parte do discurso “oficial” da mídia, que é o discurso das autoridades. Mas que três estudiosos do Rio de Janeiro contestaram com máxima veemência durante debate sobre as raízes da violência organizado pelo Observatório da Imprensa em 12 de março.

Paulo Baía:

“.... Quando eu escuto falar em ausência do Estado me dá uma certa irritação. Eu estudei dois anos e meio a Rocinha. A Rocinha tem todos os serviços públicos e privados que se possa imaginar. Tem um arrecadação formal altíssima. Tem uma sonegação de impostos fortíssima, independentemente do comércio ilegal de drogas e de armas, que também é muito elevado, graças às facilidades da classe média endinheirada para ter acesso à compra de drogas na Rocinha. E a receptação de roubo de cargas e combustíveis, esquema que a Baixada Fluminense comanda via a antiga organização dos bicheiros”.

José Cláudio Souza Alves:

“.... Eu tento mostrar, ao longo do tempo, o Estado e o poder econômico sempre casados, unidos, essa é a história da Baixada, do Rio de Janeiro, do Brasil, do mundo inteiro. As estruturas dos grupos de extermínio na Baixada vão revelando justamente isso: um aparelho que funciona. Agentes do Estado na Polícia Militar, sobretudo, mas tem Polícia Civil, Bombeiros, Guardas Noturnas, sobretudo gente que lida com a segurança. Estão envolvidos diretamente na operação das execuções sumárias”. (....). O Rio de Janeiro tem uma estrutura muito diferente. Existe o tráfico. A polícia tem acesso a todas as favelas, só entra para quebrar, matar ou destruir quando é interesse, ou quando há quebra de acordo, ou quer vender imagem. A Secretaria de Segurança, os governadores têm interesse em vender para a mídia, para a classe média, uma ação dura de repressão”.

Andrelino Campos:

“A sociedade em si é violenta, os mais pobres se tornam violentos em função da fragilidade. (....) Determinados estados de coisas são colocados para que se possa acreditar que o Estado nunca esteve presente nessas comunidades. O Estado nunca esteve ausente. Ele pode ser pouco operacional. Na Rocinha ele é bastante operacional, mas na maior parte das 600 comunidades ele é pouco operacional. As pessoas, em geral, desconhecem a possibilidade de acesso à própria cidade. O direito à cidade é claro. Mas direito à cidade para quem? Não é para todos”.

Foi a segunda reunião dessa natureza organizada no Rio. (Clique aqui para ler o primeiro debate.) Os participantes foram os sociólogos Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, e José Cláudio Souza Alves, decano de Extensão da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ, o geógrafo Andrelino Campos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o jornalista Sérgio Torres, da sucursal do Rio da Folha de S. Paulo, e o autor destas linhas.

Três trabalhos foram o ponto de partida da segundo rodada de uma discussão feita deliberadamente na contramão do tiroteio noticioso:

1) Tese de doutorado de Baía, ainda não convertida em livro, que pode ser lida aqui em arquivo pdf.

2) O livro de Souza Alves Dos Barões ao Extermínio – Uma história da violência na Baixada Fluminense, publicado em 2003 e totalmente inincontrável em livrarias ou sebos. É tornado acessível aqui na forma ainda original de tese de doutorado, defendida em 1998 com o título de “Baixada Fluminense: a violência na construção do poder”, em seis arquivos pdf. Gentileza do autor. Clique aqui para ter acesso às partes da tese.

3) O livro de Andrelino Campos Do Quilombo à Favela – A Produção do “Espaço Criminalizado” no Rio de Janeiro, editado em 2005 e ainda disponível nas livrarias.

O enunciado que explica o método empregado na montagem e edição deste debate pode ser copiado da abertura do primeiro debate, realizado em 5 de janeiro, tão cedo quanto possível após a ofensiva criminosa do final de 2006 no Rio de Janeiro:

Nada conspira tanto contra a compreensão da crise da segurança pública no Brasil quanto a sucessão de acontecimentos terríveis que põem a mídia e a opinião pública em estado permanente de sobressalto e tensão. A mídia não pode, é claro, brigar com os fatos. Acompanhar os acontecimentos, antes de mais nada descrevê-los, é condição indispensável para tentar compreendê-los. Sem esse entendimento mínimo é impossível produzir uma reflexão séria e, portanto, uma ação política – em todos os sentidos da palavra – eficaz”.

O ritmo, claro, não precisava ser tão lento. Houve problemas para transcrever a gravação, feita em condições técnicas precárias, combinados com problemas de força maior que enfrentei nesses meses. A reunião foi realizada em dependências da Universidade Rural localizadas na Avenida Presidente Vargas, centro do Rio de Janeiro.

Os três trabalhos relatam um processo de resistência de populações excluídas, ou desclassificadas – a terminologia varia um pouco – que não aparece com clareza na mídia.

Diferentemente do que está nesses trabalhos, as narrativas sobre a criminalidade na mídia só muito raramente contemplam a questão fundiária – o livro de Andrelino se estrutura em torno disso, a Lei de Terras de 1850 (“a violência, que grassa no tecido sócio-espacial urbano de algumas metrópoles brasileiras, tem como uma de suas origens a estrutura fundiária estabelecida desde o período imperial”) – e a questão política, de que os outros falam muito. Baía faz um estudo mostrando que Nilópolis é um todo integrado na política oficial, onde o ilegal se torna poder, e a Rocinha não é um todo, é um mosaico onde há pontes entre o ilegal e os poderes legais.

E no livro Dos Barões ao Extermínio temos relatos políticos muito aguçados, até chocantes. Em agosto de 1953, um delegado de polícia, Albino Imparato, foi executado em Duque de Caxias e o governador do Estado do Rio, Ernâni Amaral Peixoto, decretou a prisão preventiva do principal acusado, Tenório Cavalcanti, deputado federal pela UDN. Tenório recebe a solidariedade de deputados federais – Afonso Arinos, Artur Ramos, José Augusto, Flores da Cunha, Danton Coelho, Mário Palmério. E o ministro da Fazenda, Oswaldo Aranha, é um dos que dão proteção a Tenório em sua “fortaleza” de Caxias, residência cercada por altos muros. Tenório é um matador, uma espécie de assassino profissional, um herói dos matadores... Esse entrelaçamento não está presente na narrativa da mídia, em geral, e esse entendimento mudaria toda a percepção do público.

Sérgio Cabral Filho ainda está com boa imagem perante a classe média, pessoas que não moram em lugares invadidos pelo Caveirão. Quem lançou a candidatura de Sérgio Cabral Filho à presidência da Assembléia Legislativa, lê-se na tese de Paulo Baía, foi Gilberto Rodrigues. Gilberto Rodrigues é ex-presidente da Assembléia Legislativa fluminense, deputado estadual eleito várias vezes por Nilópolis, onde era aliado político das famílias Abraão David-Sessim.

Sempre há narrativas, quer na academia, quer na mídia. A narrativa é muito importante. Se a narrativa incluísse os conceitos contidos nesses três trabalhos, ela mudaria, criaria grandes problemas para a política do jeito que a política está organizada.

A visão crítica que têm da narrativa midiática corrente sobre a violência no Rio de Janeiro faz com que em algumas passagens os debatedores soem excessivamente categóricos, talvez um semitom ou um tom acima da prudência acadêmica. O aparato de análise ainda é precário. Só em anos recentes a violência atrai um número mais significativo de pesquisadores e de instituições. E tema é, por sua própria natureza, obscuro, velado, perigoso. Em todos os sentidos. Mas as visões expostas no debate sacodem idéias-feitas.

Diferentemente do critério adotado na edição do primeiro debate, onde as intervenções foram transcritas linearmente, aqui cada bloco temático ganha uma entrada separada.

Seguem-se as falas dos participantes no debate de 12 de março.

Crime organizado e poder

Paulo Baía não aceita o uso da expressão “crime organizado” para definir bocas de fumo. O crime organizado propriamente dito estaria mais associado ao poder. O sociólogo segue análise de sua colega Jacqueline Muniz na qual as Polícias Militares desempenham no Brasil o papel que foi desempenhado na Itália pela Máfia.

Crime, polícia e política

José Cláudio Souza Alves faz um paralelo entre os padrões criminosos da Baixada e da cidade do Rio de Janeiro. Liga crime, polícia e política. Mais: liga empresas ao mercado financeiro operado pelo crime. Souza Alves, secundado por Paulo Baía, afirma que o famigerado Caveirão da Polícia Militar é “alugado” por grupos criminosos. Um grupo conta com apoio policial para tomar determinado território, o grupo rival “compra” uma incursão policial que facilite a retomada. Assunto praticamente blindado na mídia.

Não pode haver diferença entre cidade formal e favela: não pode haver favela

“Na cidade formal, se você cometer algum delito, o oficial de justiça chega na sua porta com um mandado de busca e apreensão. No Chapéu Mangueira, o mandado de busca e apreensão é o coturno de qualquer policial", diz Andrelino Campos. "Para falar em direito, em cidadania, eu necessito falar do desmonte de tudo que é provisório. Não há possibilidade de eu reconstruir, ou de construir cidadania”.

Milícia dá medo porque é a polícia

Sérgio Torres diz que já andou por todas as favelas do Rio. Nunca se sentiu em casa, mas nunca deixou de entrar numa favela com medo de ser alvo de violência. Agora, tudo isso mudou. Torres também relata o medo que gente da própria polícia sente da milícia, porque ela é formada por policiais e ex-policiais, enquanto os traficantes entocados nos morros são pessoas com menores possibilidades de identificar e perseguir, na cidade, desafetos ou inimigos. O repórter da Folha não aceita o uso genérico da expressão “crime organizado”.

Um tabuleiro de xadrez

José Cláudio Souza Alves afirma que a visão da mídia carece de melhor conhecimento dos fatos: uma vez lhe perguntaram se o uso do Caveirão não se justificava diante do poderio bélico dos traficantes. E ele respondeu que quem vende armas para os traficantes são policiais. Essa interpenetração entre policiais e bandidos torna a realidade do Rio de Janeiro um complexo tabuleiro de xadrez.

Estatísticas e sensação de insegurança

José Cláudio Souza Alves mostra como são diferenciados os padrões de violência nas diferentes regiões do Grande Rio. Arrisca-se a estabelecer uma possível correlação entre surgimento de novos núcleos de desenvolvimento e “limpeza” que provoca matanças. Sérgio Torres relata como descobriu que estatísticas de homicídios são forjadas por “desovas” de cadáveres do outro lado da fronteira municipal.

Reportagem é diferente de ediçião

Neste final do debate, discute-se a diferença entre o que os repórteres apuram e o que é editado.

Fonte: Observatório da Imprensa.

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