NÃO SOU HERÓI
Não quero ser herói. Heróis não choram, não sentem dor.
Heróis não deitam com a angústia, não brigam com a insônia, contando o tempo, os segundos, a toda hora com o coração acelerado ao ouvir uma porta que bate ao longe, o barulho da freada brusca de um carro, ou de uma sirene que corta com seu lamento o silêncio da madrugada, enquanto espera o último filho chegar em casa.
Heróis não se assustam com o telefone que toca no meio da noite madura que se debruça na madrugada chegante, e pulam da cama como o mais imaturo adolescente, sentindo a boca seca, o coração disparar, o corpo tremer, num desassossego de alma impossível de descrever, até que ouve do outro lado uma voz amada dizer:
“- Fica frio, pai, tô numa boa com a galera. Não esquenta que daqui há pouco tô chegando.”
Heróis não ficam ali, babacamente tentando decifrar quem compõe a “galera”, como será essa “boa”, se o lugar é seguro, se existem feras nas sombras, se seu filho está entre lobos com pele de cordeiro, se existe perigo no ar.
Heróis não se preocupam com o futuro, são imortais. Não são como nós que apreensivos muitas vezes perdemos o rumo das palavras, e não conseguimos, debalde as tentativas, mostrar aos nossos filhos a importância de aproveitar o tempo, as oportunidades de poderem estudar sem precisar trabalhar, para acumularem o único tesouro que ninguém pode deles arrebatar, que é o saber.
Heróis não morrem a cada vez que a dúvida os assalta: onde estará meu filho?, com quem minha filha saiu e o que está fazendo?, está com pessoas de bem?, será que sabe perceber o canalha que muitas vezes se esconde em um sorriso cativante?
Heróis não temem os monstros que são essas dúvidas que sitiam nossos dias e roubam nossa paz. Às favas os medos dos amanhãs! Para eles basta fazer como o Super-Homem e girar velozmente até o tempo retroceder para consertarem qualquer estrago. Taí um poderzinho que cairia muito bem em minha vida... qualquer coisa era só um zuuummm!, e pluft!, o tempo retornava ao passado e eu presenteava o futuro com um presente sem estragos. Uma boa, não? Dava até para fazer novamente aquelas provas em que tiveram nota abaixo de sofrível. Mas aí estaria deixando de ser esse herói hipotético para ser um patético vilão e minha ação uma fraude. Não vale.
Não quero ser herói porquê não sou herói e, por não ser herói, não quero ser visto como herói.
Quero que meus filhos saibam que sou apenas uma pessoa comum, frágil como um papel de arroz, ainda que em algumas situações me comporte como a grama ou como o bambuzal ao vento: vergo mas não quebro. Ou quebro por dentro e vou juntando os cacos, num ritual de amor. Sim, muitas vezes é tudo que podemos fazer: juntar cacos de sonhos e de vida e tentar salvar alguma coisa que nos devolva a esperança.
Quantas vezes a vida nos coloca diante de situações que julgávamos não poder suportar e, sabe-se lá de onde, a gente reúne forças e conseguimos nos levantar antes de encerrar a contagem final para continuar a luta, muitas vezes apenas para continuar no corner, apenas apanhando, apenas para ganhar tempo enquanto não encontramos a solução ou a resposta?
Herói não passa por isso, não beija a lona, não vai a nocaute, não junta cacos em ritual de amor, não se sente derrotado em cada derrota de um filho, não sente o gosto do sal que nos sabe em cada lágrima que derramam, sejam elas de desamor ou de dor de amar, da inabilidade de se fazer amar, inerente da imaturidade e do esplendor da juventude, até nisso choramos com e por eles, pois muitas vezes tudo que nos é permitido pela Vida se resume a isso: chorar com eles.
Herói não passa por isso. Aliás, que me lembre não conheço nenhum super-herói que tenha filhos...
Sei que sei amar e luto como leão se preciso for por meus filhos e quando não posso lutar, quando é impossível lutar, faço o que é possível, e se o possível for apenas chorar choro junto com eles.
Afinal, sou simplesmente pai.
Paulo David
Rio, 10 de agosto de 2008.
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