Informações falsas emperram investigações sobre mortes de inocentes
Uma prática difundida entre policiais emperra logo no início praticamente todos os inquéritos sobre mortes em confrontos (autos de resistência): ao chegar à delegacia, eles costumam informar que as vítimas eram ligadas ao tráfico, mesmo quando elas sequer têm antecedentes criminais. É o que informa a reportagem de Antônio Werneck, publicada no jornal O Globo deste domingo.
Foi assim no caso do estudante Hanry Silva Gomes de Siqueira, de 16 anos. Morto por PMs no Lins durante suposta troca de tiros em 2002, ele foi tratado como traficante. Ninguém investigou. O caso acabaria arquivado como tantos outros, não fosse a coragem da mãe do jovem, a dona-de-casa Márcia de Oliveira Jacinto. Decidida a provar que o filho era inocente, ela levou dois anos investigando o crime e mais quatro pedindo justiça. Na semana passada, entrou de cabeça erguida no Tribunal de Justiça depois de desvendar a farsa: os dois PMs que mataram o estudante e simularam um tiroteio começaram a ser julgados por homicídio qualificado.
Longe de ser exceção, histórias como a de Hanry acontecem em todo o estado e estão nos registros de autos de resistência, sobretudo em favelas. A morte em confronto é tratada como legítima defesa no registro policial, mesmo quando as circunstâncias apontam o contrário. De janeiro de 2006 a abril deste ano, 2.895 pessoas morreram supostamente enfrentando a polícia no estado, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) - uma média de três mortos por dia. Este ano, de janeiro a abril, foram 492 casos - quatro mortos por dia ou um a cada seis horas.
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, revelou ao Globo que estão sendo tomadas algumas medidas para reduzir a letalidade da polícia durante operações em comunidades dominadas pelos criminosos e, assim, evitar a morte de inocentes. Mariano garantiu que a polícia tem sido orientada para "redobrar os cuidados em áreas críticas, áreas nas quais a chance de conflito é muito grande, principalmente nas situações de pronto atendimento, de patrulha".
José Mariano Beltrame disse ainda que a polícia, com o acompanhamento do Ministério Público, investiga possíveis excessos dos policiais na operação do Complexo do Alemão, onde 19 pessoas morreram. Laudos revelaram que 16 deles levaram tiros também pelas costas, sendo que três foram atingidos na nuca.
- O que houve ali foi uma situação de guerrilha, de questionamento do Estado, e isso não é negociável. Há três inquéritos em andamento e na fase final, e não se pode falar em punição antes da conclusão.
A política de enfrentamento adotada pela polícia no Rio, responsável pelo aumento do número de pessoas mortas em confrontos, é contestada pela socióloga Julita Lemgruber, diretora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes. Na opinião de Julita, as ações da polícia não contribuíram para a diminuição da violência. Ela cita o aumento do número de roubos no estado. No ano passado, a taxa foi de 875,5 casos para cada cem mil habitantes. Em 2006, tinha sido de 801,4. A socióloga lembrou que em São Paulo, onde a polícia mata cada vez menos, a taxa foi de 693,4 em 2007.
- As diferenças entre o Rio e São Paulo mostram que os paulistas, ao longo dos anos, deram continuidade à política de segurança. No Rio, isso não aconteceu: cada governo que entrou não considerou o que seu antecessor estava fazendo e mudou tudo. Em São Paulo, em todos esses anos, eles mantiveram a mesma linha e estão colhendo os frutos. Foram mais competentes - disse Julita.
Fonte: O Globo.
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