Dualidades.
por Paulo da Vida Athos.
Não conheço quem do amor diga palavras certas, de precisão, nem mesmo incertas, que o defina quando nos rasga fibra por fibra, quando tudo em derredor é aurora e luz, ou quando nos isola imersos na solidão dos desnascidos, embalados no esgar insone das madrugadas ou no espanto das manhãs ensolaradas.
Não ouvi ser derramada da boca do douto ou do ébrio, do profeta ou do louco, nem da prancheta dos poetas visionários, a fórmula que o defina, a razão de nele perdermos a razão, de deixar-nos de rastros enquanto nos julgamos a voar em céus de inexistentes mundos, ou de olharmos um vagabundo reverenciando-o como se fosse um rei, ou uma puta como se santa fosse, no apogeu de um milagre.
Nunca vi nascer, da suavidade dos pincéis ou da dureza dos cinzéis, a resposta em forma ou em cores, que revelasse esse sentimento que como lente projetiva inverte nossas idas tornando-as voltas, todos os nossos risos em mágoas, a lisa flor da água em ondas revoltas, na imensidão de nosso mar interior.
Há uma lente especial que nos orienta o olhar e nos mostra a verdade do amor quando imersos em amor caminhamos na vida. É uma verdade dele, do amor, não nossa nem da vida. É a verdade dos insanos, porque amar é isso mesmo, uma insanidade de alma que nos conduz sorrindo aos infernos ou ao paraíso, que nos anestesia através de um sorriso, de um olhar ou do perfume de uma lembrança, enquanto nos vai rasgando com suas garras como o condor faz com suas presas.
Há nele uma música de encantamento, como uma flauta hameliana a nos fazer bailar na alegria ou na tragédia, que faz a gente ser capaz de chorar ao dar vida à vida ou permanecer sorrindo ao dançar com a morte, como se a realidade fosse um palco imenso e a vida apenas a platéia que ali estivesse para aplaudir seu diretor, o amor, e seus atores, nós, diante do mortal e derradeiro ato.
Há no amor esses insondáveis mistérios e escolhas. Nada nos mergulha em dor mais profunda, nada nos imerge em êxtases mais fantásticos. Enquanto amantes somos capazes dos atos mais nobres e engrandecedores, assim como as mais agudas covardias e baixezas. Ele nos eleva até onde jamais conseguiríamos chegar sem ele, mas nos humilha de forma tão profunda que, em muitas das vezes, não conseguimos mais nos levantar. Há nele essa sordidez da posse pela posse. Há nele o altruísmo só encontrado na mulher, quando mãe. Não o escolhemos, não o convidamos. Não lhes damos ordens nem o expurgamos. Somos apenas, os eleitos. Eleitos e, dele, escravos!
Essa dualidade fantástica que nele existe, que nos eleva para o deleite da vida mas que nos pode fazer beber na lama do chão, é que o torna primo entre os sentimentos. Com ele alçamos nossos vôos mais altos, com ele, da mesma forma, rastejamos nosso orgulho pelo chão.
No entanto, não há nessa terra ser humano que possa, sem um dia o ter abrigado na alma, dizer no instante final em que for se despedir da vida:
-“Sorriam todos! Afinal, vivi!”
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