segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Seres da noite


Seres da noite,

Tenho um milhão de anos.
Na verdade, um pouco mais.
O breu das tavernas e dos covis não me abalam,
assim como não me seduz o sorriso fácil
nem e a gentileza dos boçais.

Não me iludem.
Não me enganam.

Caminho e as ruas e calçadas
me são familiares.
Suas sombras são extensões de minhas sombras
que vão mergulhando nas sombras dos becos,
nas fumaças dos botecos,
nas canções feitas de versos
que vão cirandando no cais.

A noite é território sagrado.

Os seres da noite são sensíveis, são educados.
Conhecem regras e rítimos
que tangenciam seus perfumes
e mistérios.
Não conhecem o arrependimento,
porque não existem pecados,
pois na noite não existem anjos,
nem diabos.

Existe o inexprimível e o inesperado,
nesse território de putas, malandros,
otários e viados,
que ganha vida entre o último
e o primeiro raio do sol
que beija o paredão do cais.

Geralmente é à noite
que a Morte vem convidar
para a última valsa:
homem ou mulher,
criança ou velho,
meretriz ou cafetão,
porque ela é tão puta quanto a Vida
e se esfrega com qualquer um,
mas consciente, que de todos,
é o derradeiro par.

Os sons da noite são diferentes.
Não é um som filarmônico:
a noite odeia amadores tanto quanto ama pecadores.

Sirenes e gritos,
risadas, freadas,
uma gata no cio,
batida de carro,
o eco do tiro,
o soar do escarro,
o som do silêncio,
do corpo que cai,
da Vida que sai
do corpo do otário,
que teve punido,
seu ingênuo pecado,
de ser estranho na noite,
que é território sagrado.

Um baseado é aceso,
uma carreira esticada.

Uma canela esticada,
enfeita a pista de asfalto.

É que a dama de negro,
chamou para a última valsa.

E amanhece, logo depois.

(Paulo da Vida Athos)





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