É Natal.
Mesmo que não quisesse, é Natal. Tudo me mostra isso. Ligo a TV e logo as propagandas me dizem que
é Natal. Nas ruas, nas árvores iluminadas,
na fachada dos shoppings e das casas, o piscar de milhares de lâmpadas me dizem
que é Natal.
De resto, não vejo grandes diferenças. As pessoas andam estressadas, o trânsito cada
vez mais engarrafado, o som urbano invade tudo com seu concerto de buzinas,
sirenes, conversas e megafones, a única coisa que parece mudar é que tudo se
acelera um pouco mais nessa época, que tem mais gente nas ruas e menos mendigos
nas calçadas.
Claro que não me iludo quanto à redução de mendigos.
É praxe dos governos expulsarem seus mendigos, sua população
de rua, esse tipo de gente que atira na nossa cara o despudor de nossa
indiferença diuturna durante o restante do ano.
A cidade precisa estar limpa para receber o espírito do Natal
e os turistas e esses espíritos de porco não vão sujar nossa paisagem.
Então é Natal. Não tem
como não ser.
Tanto brilho nas ruas, tantas luzes a iluminar nossas noites,
milhões delas se somam àquelas que conhecemos dos outros dias, é lindo de se
ver! Então aquela árvore na Lagoa,
hein? Belezura! Todo mundo em volta, todas as noites, uma
festa!
Shoppings cheios, restaurantes lotados, ruas repletas de
caros e calçadas também, mostrando como estamos bem de vida, que a noite é
nossa, que somos bárbaros!
Verdade. Tudo isso, é
verdade. Principalmente isso: somos
bárbaros...
Sabemos da covardia praticada contra os moradores de rua, não
apenas contra os mendigos, para desestimular sua presença.
São retirados na marra, a força, na porrada, são jogados em
ônibus cedidos pelos quadrilheiros que nos roubam diariamente em suas roletas,
e largados bem longe, até em outras unidades federativas, ou, na versão
econômica, pressionam para que essa gente que com sua existência sujam os
bairros da zona sul e da orla procurem bairros em que turistas jamais passarão. Não podem poluir nossa paisagem.
Isso tudo é e sempre foi, Natal.
Claro, a TV mostra a missa do galo, a conversa fiada de
nossos governantes, o caô de nossos religiosos, o programa do Roberto Carlos, o
papai noel do shopping, a ceia dos
famosos, o amigo oculto dos artistas, essas coisas que nos provam todo ano que
finalmente chegou o Natal.
Mostrar o amigo oculto é mole, quero ver é mostrar o inimigo
oculto.
Mostrar que 90% do policiamento está a serviço dos hotéis e
do turismo, nas zonas nobres da cidade, que nosso subúrbio e regiões mais
pobres ficam ao abandono, os roubos, chacinas e vítimas inocentes da guerra aos
pobres que nos enganam chamando de guerra ao tráfico.
Quero ver é mostrar o movimento em nossos hospitais, o
abandono da periferia, a covardia que fazem com nossas crianças nas prisões que
criamos para elas em razão de nossa incapacidade crônica de exigir dos
governantes que as crianças pobres exerçam o direito a educação, à saúde e à
moradia, escritas na Constituição da República.
Quero ver é essa gente cristã de araque que grita a favor da
redução da menoridade penal mostrar a cara no horário da missa do galo para
falar dos ensinamentos de Jesus.
Sabe aquela frase “deixai vir a mim as criancinhas?”, essa
gente cristã mudou o nome do SAM para FUNABEM e FEBEM, depois para FUNDAÇÃO
CASA, imbuídos pela prática de sua religiosidade.
Ou seja: a tal frase acima eles colocaram em prática mandando
nossas crianças para o inferno.
Mas isso eles não mostram.
Não porque seja Natal. Não
mostram nem assumem que apoiam, não é por vergonha também.
É por insensibilidade mesmo, por desumanidade, porque não
aprenderam o mais simples dos ensinamentos, que é amar.
Rio, 23/12/2014.
Paulo da Vida Athos
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