domingo, 29 de abril de 2012

De cantos, gaiolas e amor









Não quero para mim o canto
de ave que vive em gaiola,
que da vida vive d’esmola,
órfã de toda esperança.

Não quero possuir esse canto,
despossuído de rima,
de aves aprisionadas
que dependem de dono,
pra trocar a água e a comida
e o papel sujo do chão.

Quero o canto da ave livre
nas matas,
nos céus das cidades,
no chão das ruas de pedras,
que ciscam nas calçadas dos bares,
nas varandas dos palácios,
como quem canta um canto intangível
que atravessa espaços e gentes,
como um hino à liberdade!

Quero esse canto que tenho
ouvido e cantado junto
com a vida, em minha vida,
que de amor é conjunto.

Prefiro o trinado dos pardais
que cruzam o espaço dos céus,
que alçam seu voo mirando o horizonte,
que fazem seus ninhos nas árvores,
nas eiras e beiras do cais,
àquele gorjeio tristonho
do canário belga, ou da terra,
que jamais conheceram a serra,
nem o canto do Uirapuru.

Quem tem tudo em hora certa,
mas trina de sua gaiola,
quase sempre pendurada
na parede de um corredor
ou na marquise de um bar,
para agradar o seu dono
cantando um canto de dor,
de despedida de sonho,

Que canta um canto de morte
de quem nunca teve vida,
jamais conheceu o amor
e foi impedido de amar,
nesse canto que atravessa,
que mais do que canto é  pranto,
que é hino ao desencanto
de quem nunca pode amar,
e que assim que sai da gaiola
logo morre no ar,
nem deveria nascer,
nem deveria cantar!

Um canto assim desatino,
gravado, chorado,
menino,
de sal e de só solidão,
esse não quero pra mim,
pois amor não é prisão.

Não quero ser aquele
que carrega a gaiola
para a exibir seu troféu,
que canta pra deleite,
não da Vida, nem do céu,
mas pro ego de seu dono,
e pra gente que tem dono,
menino,
jamais retiro o chapéu.

Muito menos quero ser
a ave que perdeu
ou nunca teve liberdade,
expondo seu desencanto
em canto de dor e de morte,
de um ser sem vida e sem sorte,
como uma ferida sem corte,
despossuído de si,
do sonho ou da esperança,
que canta a sua não-vida,
e sim esse choro mais forte,
sem memória e sem lembrança.

Não quero o amor sincopado,
como amor exibição,
que mais parece o cantar
de uma ave na prisão!

Prefiro esse amor alado
onde nosso canto se encontra,
e juntos ecoam em trovas,
que apenas nós dois escutamos,
onde apenas nós dois flutuamos,
num bailar de sonho e luz.

Menino, preste atenção,
gaiola é fonte de dor.

Ser livre é a vida do pássaro,
liberdade é a vida do amor.

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