AS CRUZES DA VILA CRUZEIRO
por Paulo da Vida Athos
Quando diante do saldo de sangue de 30 feridos e 6 mortos, a maioria absoluta e esmagadora de inocentes, o comandante-geral da PM, coronel Ubiratan Ângelo avalia positivamente a ocupação que já dura uma semana na Vila Cruzeiro, na Penha, subúrbio do Rio, existe algo insano no ar.
Apesar da insanidade de uma operação de guerra onde a área de conflito é nada mais nada menos que uma área residencial, na verdade um gueto povoado pelos excluídos da justiça social, sua senhoria acha que o saldo é positivo.
O assassinato covarde e frio de dois policiais militares deram início a essa campanha militar que já dura uma semana e mais de três dezenas de vidas (afinal, não é preciso morrer para se sentir com a vida atingida). Para alguns é como um jogo: se mataram dois, temos que matar no mínimo quatro. Ocorre que o campo é uma comunidade que sempre foi abandonada à própria sorte e que só é lembrada pelo Estado para a prática desses jogos de guerra em que o saldo de sangue, invariavelmente, é composto quase que em sua totalidade, de civis inocentes.
O ponto principal sobre a ineficiência dessas invasões que gera esse número absurdo de feridos e mortos que não têm nada a ver com a questão, está diretamente relacionado da natureza militarizada da instituição invasora. A mais convincente prova está na prisão de Elias Maluco, aquele que comandou a morte do jornalista Tim Lopes, naquele mesmo local.
A atuação da polícia civil não foi esse desastre e essa falta de respeito para com a vida de cidadãos de bem (vez que a favela é isso mesmo, composta de pobres, mas cidadãos de bem, trabalhadores em sua maioria, maioria essa que é composta por mais de 98% de seus moradores). O que me deixa indignado é a omissão da sociedade diante dessa insensatez. Mais que omissão, vejo-a legitimando essas ações de guerra contra milhares de pessoas, e não apenas a sociedade. A mídia também. Mas da mídia nada mais estranho, serva da elite que é e sempre foi, tem mais que ser usada contra o povo já que tal faz parte de sua história e sociologicamente é esse um de seus papéis.
Ainda ontem via nos jornais, na boca do povo e na internet a ira santa de todos contra o que os israelenses fizeram no Líbano. Ainda hoje vejo a mídia em críticas à demente invasão ao Iraque. Até passeatas em protesto vi brasileiros se colocarem contra aqueles crimes pelas ruas do Rio, de São Paulo, de Brasília e outras capitais. Mas santo de casa não faz milagre e não importa muito se a matança na Vila Cruzeiro vai aumentar ainda mais o número de mortos e feridos nessas escaramuças que envolve policiais e bandidos pelas ruas do Rio.
Para quem não sabe, em todo o ano passado, 144 policiais militares foram mortos no Rio, e o Relatório “Bala Perdida”, elaborado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, “constatou que 224 pessoas foram vítimas de balas perdidas em 2006, de acordo com os Registros de Ocorrências das Delegacias Policiais do Estado. Do total, 19 foram vítimas fatais”.
“O perfil levantado pelo estudo revela que, das vítimas fatais, 13 eram do sexo masculino e, na sua maioria, jovens e adultos com 18 anos ou mais. Os dados indicam ainda que a capital do Rio de Janeiro registrou o maior índice de vítimas de bala perdida: 17 fatais e 169 não fatais. Em seguida, vem a Baixada Fluminense com duas vítimas fatais e 18 não fatais”.
“O estudo divulgou também dados do mês de janeiro de 2007. Foram constatadas 31 vítimas de bala perdida, sendo três delas fatais. Todas mencionadas eram do sexo masculino - uma criança, um adolescente e um adulto - e foram mortos em via pública”.
Inovando, a nossa gloriosa policia militar, tal como os israelenses fazem na faixa de gaza, está dinamitando “redutos do inimigo”. Talvez isso agrade a alguns insanos que estejam considerando tal ato como uma forma de fazer “remoção de favelas”. Vai que a onda pegue...
Sua senhoria ainda nos fez o favor de nos brindar com esse primor: “-Esse final de semana nós demos um presente aos moradores da Vila Cruzeiro que é devolver os espaços urbanos para que o serviço público possa voltar lá. Vamos permanecer na favela e alcançar os algozes do BOPE, vamos acabar com o tráfico de drogas.”
Podemos até acreditar que matarão os assassinos dos infelizes policiais militares que perderam suas vidas nessa política burra de nossa segurança pública. Mas acabar com o tráfico? Isso é fazer pouco caso da inteligência do povo. O povo pode ser omisso. Mas não é burro.
A sociedade brasileira em geral, e a carioca em especial, não pode e nem deve ser solidária, através do silêncio, nesse compromisso inominável de tolerância e apoio tácito a essas mortes, a essas invasões. Seria cretino tentar se enganar achando que esses feridos e mortos são criminosos. Desse número de mortos e feridos na Vila Cruzeiro: apenas um ferido e um morto eram bandidos. Os demais, assim como os policiais, inocentes! Aceitar isso é consagrar a idiotice de que nossa política de segurança é uma maravilha. Não é! Segurança Pública que não se faz com inteligência e tecnologia é burrice e o resultado é chacina!
A Democracia será sempre uma quimera, uma ilusão idiota, se a cidadania é por qualquer forma vilipendiada. Continuar nesse caminho é abrir as portas para uma prática que nunca nos abandonou: os porões e as torturas.
Não está longe esse horizonte. As chacinas já estão de volta.
Nas guerras, senhoras e senhores, não há democracia. Existe apenas, a vontade do vencedor.
Então nós, assim como a Vila Cruzeiro, estaremos sem voz...
Um comentário:
O pior de tudo é que quando a comunidade vai às ruas para protestar, o comandante da policia ainda tem a cara de pau de dizer que elas foram influenciadas por traficantes, como se alguém que vive com medo e cujos filhos, nem o direito de estudar têm, não pudessem pedir paz. Não sou moradora do Cruzeiro, mas estava lá, como cidadã reconheço o direito do ser humano à dignidade. Essa ação é vergonhosa!
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