Partido Comunista Sírio (Unificado)
Uma carta ao Mundo Comunista e aos Partidos Operários
Saudações camaradas
Gostaríamos de apresentar-lhes uma breve análise dos sucessivos acontecimentos recentes em nosso país, Síria, e, para tanto, devemos elucidar alguns fatos e desvendar algumas mentiras fabricadas e publicadas pela propaganda imperialista contra a Síria.
Desde o início dos eventos, em Março, estações de TV na América, Reino Unido e França, algumas estações no mundo Árabe e centenas de sites da internet têm se mobilizado para falsificar, da melhor maneira que puderem, a realidade e, na medida em que a opinião pública se volta para essa causa, programas especiais são transmitidos para servirem a esse propósito dia e noite.
O presidente norte-americano divulga, diariamente, notas que expressam seu tratamento contra a Síria, assim como uma intervenção flagrante nas relações internas do povo Sírio. Oficiais de alta patente da União Européia têm imitado o presidente Americano.
Tais tratamentos e intervenções chegaram ao auge quando o presidente norte-americano apontou a irrelevância e ilegitimidade do regime Sírio. Ásperas e injustas sanções econômicas foram impostas contra o povo Sírio. Ainda mais perigosos são os planos endossados pela OTAN de compartilhar ondas de ataques aéreos, por algumas semanas, contra 30 áreas estratégicas na Síria, exatamente igual ao que aconteceu na Iugoslávia.
Alguns oficiais europeus jamais hesitarão em comparar a situação na Síria, como se fosse a cópia exata da crise Líbia, onde milhares de civis foram massacrados, dezenas de áreas econômicas foram destruídas pelos ataques aéreos.
Estados membros da aliança imperialista têm tentado, de todas as maneiras possíveis, aprovar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU condenando a Síria para, em seguida, adotar sucessivas resoluções a respeito, para tornar “legal” uma agressiva campanha contra nosso país. Agradecemos a oposição a esses planos por parte da Rússia e da China, acompanhadas, até agora, pela África do Sul, Índia, Brasil e Líbano. As tentativas imperialistas no Conselho de Segurança da ONU foram, até agora, infrutíferas.
Todas essas movimentações acontecem sob dois pretextos:
1. Manifestantes na Síria estão sendo mortos, procedimentos de segurança estão sendo empreendidos para lidar com os manifestantes;
2. Manipulações das deficiências do regime Sírio, assim como a falta de democracia e o monopólio do poder por parte do partido no poder, com o intuito de pressionar o regime para adotar algumas mudanças internas, embora qualquer mudança interna deva ser considerada como parte da soberania nacional do país.
Na realidade, diversas manifestações de protesto começaram em março pedindo reformas social, econômica e democrática. A maioria dessas demandas foi apoiada pelo nosso partido como uma forma de lidar com os efeitos nocivos da implementação de um programa liberal na economia (de acordo com o Fundo Monetário Internacional) e a transformação da Síria em um mercado econômico. Os efeitos foram nocivos para o nível de vida das camadas pobre e média. Essas manifestações eram pacíficas, mas cedo foram manipulados por fundamentalistas religiosos e grupos radicais, cuja ideologia data de antes da idade média.
As manifestações se transformaram de pacíficas para armadas, buscando alcançar propósitos que não têm nenhuma ligação com as reformas políticas e sociais. Ao tratar com essas manifestações, as forças de segurança oficial cometeram diversos erros injustificáveis; conseqüentemente, essas ações foram seguidas de reações. Dezenas de civis e soldados foram mortos. Gangues armadas foram formadas atacando propriedades públicas e privadas, criando barreiras dentro de algumas cidades, contando com ajuda externa. Durante os últimos meses, essas gangues estabeleceram áreas armadas nas regiões fronteiriças da Síria, do nosso lado, e da Turquia, do Líbano, da Jordânia e Iraque, para garantir continuidade no suprimento de suas armas e na ligação entre essas áreas.
De qualquer maneira, as gangues não obtiveram sucesso no estabelecimento de uma base fronteiriça estável. Isso custa centenas de civis e soldados, ou seja, mais de 2000 vítimas. No meio tempo, diversos eventos foram exagerados. Fatos foram falsificados. Os mais modernos equipamentos eletrônicos e de mídia foram empregados com o intuito de mostrar que o exército Sírio é completamente responsável por esses atos e que as gangues armadas não são responsáveis, e assim por diante.
Devido à pressão, o governo adotou diversas reformas sociais e democráticas que incluem: anulação das leis e Tribunais de exceção e respeito às manifestações pacíficas legais. Recentemente, uma nova lei eleitoral e uma lei permitindo o estabelecimento de partidos políticos foram adotadas. Preparações para uma nova ou modificada constituição estão a caminho. Novas leis a respeito da mídia e da administração pública também foram adotadas.
Os objetivos dessas leis e procedimentos são: quebrar o monopólio de poder do partido Ba’th, estabelecer uma sociedade plural e democrática, assegurar liberdades privadas e públicas, garantir a liberdade de expressão e reconhecer o direito de oposição para atividade política pacífica.
Apesar das nossas reservas no que diz respeito a alguns artigos, essas leis são muito importantes. Por mais de quarenta anos nosso partido tem lutado para ter tais leis adotadas. Essas leis devem ser implementadas e podem ser consideradas como um importante passo em direção à transição da Síria para uma sociedade democrática e plural.
Largos setores pacíficos da oposição nacional saudaram esses procedimentos, embora as oposições fundamentalistas e armadas ainda estejam defendendo a derrubada do regime, pressionando e agindo sectariamente.
Podemos resumir a situação como segue:
· Reduziu-se a tensão armada nas cidades Sírias. Gangues armadas sofreram fortemente. De qualquer maneira, algumas delas têm condições de retomar suas atividades;
· Manifestações pacíficas não desapareceram e não são confrontadas violentamente, a não ser quando acompanhadas por atividades violentas;
· O governo chamou a oposição nacional a participar de diálogos políticos que buscam ajudar a alcançar a transição para a democracia e o pluralismo de forma pacífica. Tal diálogo encontra muitas dificuldades, mais importantes até do que a pressão dos grupos armados que se opõem ao diálogo e à solução pacífica, financiados por apoio externo;
· Ameaças imperialistas e colonialistas contra a Síria aumentaram. Embora essas ameaças encontrem algumas dificuldades, precisamos estar prontos para confrontá-las.
Enquanto a situação do nosso país está em pauta, ela aparece como segue:
- Movimentos de protesto ainda existem em diferentes níveis. Eles diferem de uma região para outra. Nota-se que alguns movimentos começam em mesquitas, áreas rurais e favelas e segue em direção ao centro da cidade;
- Movimentos dentre as minorias étnicas e religiosas são raros. Nas fábricas, universidades e sindicatos não existem movimentações;
- Dentro dos círculos da grande burguesia, independente de ser industrial ou financeiro, especialmente nas grandes cidades de Aleppo, Lattakia e Damasco, não existem movimentos;
- Não existem movimentações dentro dos clãs e das tribos;
- A oposição é composta de um amplo e variável espectro de partidos. Alguns são patrióticos, se opõem à intervenção externa e às gangues armadas. Neste campo está o Partido Muçulmano, considerado o mais ativo e bem organizado partido dentro e fora do país.
Há, também, diversos grupos tradicionais com diferentes orientações, cuja influência se tornou mais clara nas manifestações em diferentes áreas. Esses grupos não escondem seus objetivos e propostas que são claramente reacionárias e sectárias.
Os grupos locais mais importantes e ativos, desde o inicio dos protestos, são as coordenações locais que incluem diferentes grupos da juventude sem terem nenhum plano e clareza ideológica comuns, ou orientações, exceto pelo slogan “Abaixo o regime”. Eles estão expostos à pressão externa, assim como interna.
- Oposição no exterior é composta por intelectuais, tradicionalistas, pessoas que romperam com o regime, com algumas conexões internas (Khadam e Refa׳at Al Assad).
Durante o ultimo período, essas forças promoveram diversas conferências no exterior (exceto um encontro que aconteceu no hotel Samir Amis, em Damasco, organizado pela oposição interna) objetivando mobilizar forças e coordenar posições. Diferenças ideológicas e políticas, assim como diferenças nos interesses prevalecem. Algumas forças de oposição no exterior trabalham duro para ganhar apoio internacional e de forças colonialistas.
- Até agora, os Estados Unidos, a França e a Grã-Bretanha estão liderando a campanha internacional de ameaças e incitamento contra o regime Sírio, buscando impor mais e mais pacotes e sanções, especialmente pelo Conselho de Segurança da ONU e outros organismos internacionais; Rússia e China continuam se opondo à imposição de tais sanções e procedimentos. A Turquia escolheu uma postura oportunista que se move de acordo com as eleições internas e seus interesses regionais. Há uma maioria internacional se opondo às medidas militares diretas contra a Síria, como aconteceu na Líbia, para que a Liga Árabe e o Conselho de Segurança da ONU não adotem resoluções que preparem o caminho para a agressão. O conflito em torno desta questão é feroz.
- Exceto pelo Qatar, que tem um papel vital e importante nesta conspiração contra a Síria, existem diferentes pontos de vista e posições no mundo árabe no que diz respeito à situação no país.
- Dia a dia, a situação econômica se deteriora, a pressão nas condições de vida das massas aumenta.
- O regime é coeso e tem grandes potencialidades de superar a crise. Cinco meses antes do estouro dos eventos, nenhuma das instituições básicas (o partido, o exército, a segurança, as instituições de estado, embaixadas, organizações populares, sindicatos, a Frente Progressista Nacional...) haviam experimentado qualquer divisão.
Certamente, o cenário não é estático e deve ser visto de acordo com suas dinâmicas, variações e desenvolvimento diário.
Possíveis cenários:
- A crise deve continuar por um longo período, levando para mais calamidades e derramamento de sangue;
- Uma movimentação que leve para uma anarquia geral, uma guerra civil ou algo similar, pavimentando o caminho para uma intervenção externa;
- Uma aparente divisão na oposição pode acontecer, fazendo com que parte dela queira iniciar um sério diálogo com o regime para alcançar um novo contrato social no país;
- Colocar um fim nas diferentes abordagens e “imobilidade” no que diz respeito às forças do regime.
Há dois possíveis resultados: mover-se em direção a uma solução política para o fim da crise, factível e firme, ou continuar tratando a crise apenas como uma questão de segurança a todo custo.
É difícil prever a maneira pela qual uma decisiva solução é possível.
- Alguns fatos inesperados podem acontecer, forçando todos os partidos a se comprometerem, ou aceitarem, um acordo imposto por forças externas para ajudar o país a encontrar um caminho para fora do túnel.
Onde está o partido agora?
Para começar, gostaríamos de sublinhar o fato de o nosso partido ter enviado uma mensagem ao comando do partido Al-Baa’th, na véspera de sua décima Conferencia, em 2005. Nosso partido reivindicava a separação entre o estado e o partido governista, garantias de democracia e liberdades, regulamentos de emergência, a adoção de uma lei democrática para partidos, liberdade de expressão e libertação de prisioneiros políticos, o fim da hegemonia do partido Al-Baa’th em sindicatos, combate à corrupção etc.
Mas gostaríamos de adicionar que o partido afirmou, em todos os documentos divulgados nos últimos meses, que apoiamos a postura da Síria nas questões internacionais.
Para materializar este desejo, as necessidades sociais, econômicas e democráticas das massas populares devem ser inter-relacionadas. Nós discutimos essas questões detalhadamente nas nossas conferências e documentos.
Nas suas análises da profunda e atual crise do nosso país, nosso partido esclareceu que a principal contradição está entre a fórmula política usada para regular o país por diversas décadas e as demandas pelo desenvolvimento democrático, social, econômico e cultural, necessárias para a sociedade Síria.
O conteúdo do nosso ponto de vista é que a fórmula política está baseada no monopólio da autoridade do partido Al-Baa׳th, que administra o movimento popular e suas organizações. Esta fórmula leva à decadência, à burocracia e à corrupção da máquina de estado. Conseqüentemente, os planos de reforma econômica e social precisam ser reconsiderados para serem atualizados com as exigências do progresso.
Nosso partido acredita que a essência da atual crise é a desproporção entre a estrutura do regime e os objetivos da Síria. Ao mesmo tempo, o partido tem enfatizado que o inimigo e as forças imperialistas têm se aproveitado destas distorções internas para fomentar o nível da conspiração contra a Síria e usá-las como um cavalo de Tróia para servir aos seus já conhecidos objetivos, como mencionado anteriormente.
Conseqüentemente, o Partido Comunista Sírio (Unificado) não está neutro no que se refere à alternativa necessária, por um lado, e os meios necessários para alcançar esse objetivo, por outro lado.
Solução política e continuidade de uma reforma real e radical constituem o único caminho para a saída da crise. Os procedimentos de repressão ajudam a aumentar os componentes da crise e a esvaziar o conteúdo das reformas necessárias.
A atual situação, afirmamos, requer um diálogo construtivo e fiel com todas as forças honestas e patrióticas, independente das diferenças de opinião ou pontos de vista, com o propósito de alcançar um acordo ou uma reforma radical que sirva às necessidades das massas populares e garanta a criação de um estado laico civil e democrático que se oponha aos planos imperialistas e israelenses na região.
Mas o diálogo pressupõe um clima adequado; sem ele, a intransigência só poderá levar a mais derramamento de sangue, mais destruição para o país e mais sofrimento para a população.
Queridos camaradas:
Devido à fraqueza da imprensa popular de massa na Síria na confrontação com a grande mídia do imperialismo, à mobilização das forças reacionárias por todo o mundo contra a Síria, além de seus fantoches na região - incluindo a Turquia, que adotou uma política pragmática para lutar pela hegemonia frente aos países orientais - devido a tudo isso, nosso partido deseja que todos os partidos comunistas, de trabalhadores e democráticos no mundo nos ajudem a divulgar amplamente esses esclarecimentos junto à opinião pública de seus países.
Ainda mais, pedimos para que esses partidos se solidarizem com a Síria porque este é o país mais importante do Mundo Árabe que resiste aos planos imperialistas de dominar o Oriente Médio, se opondo firmemente ao plano americano-Israelense de fragmentar a área em diversas entidades sectárias fáceis de serem controladas. A Síria apóia, inclusive, a resistência nacional Palestina, Libanesa e Iraquiana. Ainda mais, apóia o direito do povo Palestino de libertar seu território e estabelecer um estado nacional com Jerusalém como sua capital.
Damasco: 17/9/2011
Hunein Nemer
Primeiro Secretário do
Partido Comunista Síria (Unificado)