Salas seguras para uso de drogas.
Supremo Tribunal do Canadá decide pela constitucionalidade por salvarem vidas.
Na sexta feira, o Supremo Tribunal do Canadá cassou a decisão governamental que determinava o fechamento de narcossalas do centro médico-terapêutico chamado Inside, instalado em Vancouver em 2003. Uma liminar mantinha o Inside aberto em face de o governo canadense ter determinado o seu fechamento em 2008.
Só para recordar, as narcossalas são conhecidas, também, como salas seguras para consumo de drogas proibidas. Elas estão presentes na Europa e fazem parte de políticas modernas de enfrentamento do fenômeno de consumo de drogas proibidas, ilícitas. De maneira limitada temos narcossalas instaladas em centros de saúde nos EUA. Frise-se: nos EUA apenas para fornecimento e aplicação de droga substitutiva, metadona, aos dependes de heroína.
Para o governo canadense, com as narcossalas do Insedi de Vancouver “não se dava combate às drogas mas favorecia a sua difusão”.
O centro Inside não fornece drogas proibidas e funciona para evitar riscos de overdose, infecções e difusão de doenças contagiosas.
O Inside coloca à disposição dos usuários salas cuidadas, ou seja, com higiene permanente. Mais ainda, o Inside fornece seringas, agulhas esterilizadas, água destilada. As paredes das salas são revestidas com espelhos a permitir o controle, de outra sala, os médicos e paramédicos.
Para o Supremo Tribunal do Canadá, o Inside, com a sua linha humanitária, salvou vidas. Nunca causou situações negativas em termos de saúde pública e nem atuou de forma incompatível com os objetivos do Canadá no campo sócio-sanitário.
–2. Com essa decisão da Corte Suprema do Canadá, volto ao tema, já exposto neste blog Sem Fronteiras de Terra Magazine. Desde 1999 escrevo e opino sobra a importância das políticas voltadas às aberturas de salas-seguras para cosumo de drogas para dependentes . Em 2004, a Folha de S.Paulo, em Tendência e Debates, publicou artigo meu defendendo as narcossalas. E insisto em afirmar que narcossalas deveriam ser instaladas nas Cracolândias que se espalham pelo Brasil.
O Brasil, no entanto, continua mergulhado nas trevas e demora em adotar medidas eficazes para contrastar o fenômeno sociossanitário representado pelo crack, cujo consumo se espalhou pelas cidades brasileiras. Diante desse quadro, com prefeitos e governadores despreparados, o governo federal anunciou, em fevereiro deste ano, um acanhadíssimo projeto de centros regionais de referência, e isso para capacitar 15 mil profissionais de saúde em 12 meses.
O desatino maior deu-se na capital de São Paulo, onde o prefeito Gilberto Kassab já promoveu, com o auxílio da polícia, a internação compulsória de usuários frequentadores da Cracolândia, localizada na degradada zona central. Depois de obrigados a se desintoxicar em postos de saúde, os dependentes voltaram rapidamente à Cracolândia para novo consumo. Quanto à polícia paulista, revelou-se incapaz de interromper a rede dos seus fornecedores de crack.
No momento, Kassab pensa em uma segunda overdose de desumanidade, e o Rio de Janeiro, com falso discurso humanitário, repete, em essência, a fórmula piloto do alcaide paulistano, ou seja, internações compulsórias para desintoxicação. Kassab vem sendo contido pelo secretário para Assuntos Jurídicos, que parece ter percebido a afronta à liberdade individual, constitucionalmente garantida.
Como o prefeito sonha com a reurbanização do centro da cidade, os usuários de crack viram um estorvo para a concretização de sua meta. E quando colocada a Polícia Militar em ronda permanente pela Cracolândia, os consumidores, em farrapos, migram para o vizinho bairro de Higienópolis, tido como aristocrático. Kassab sofre, então, a pressão de uma classe social privilegiada, que não suporta nem estação de metrô no bairro, por entender inconveniente a presença dos não residentes. Mais ainda, muitos higienopolistas reagem, quando topam com um drogado, como a desejar uma solução tipo Rio Guandu, época do governo Carlos Lacerda no Rio.
Diante das multiplicações das cracolândias, o governo federal tarda em ousar e partir para a adoção de narcossalas, também chamadas de salas seguras para consumo. Até o Nobel de Medicina, Françoise Barre Simousse (isolou o vírus HIV-Aids), preconizou a adoção de narcossalas na França, em face da resistência do direitista presidente Nicolas Sarkozy, que prefere a cadeia para os usuários, como FHC e Serra nos seus governos.
A respeito, o Conselho Municipal parisiense tenta derrubar a proibição de Sarkozy e está pronto para implantar uma narcossala piloto em Paris. Para os membros das respeitadas e francesas Associação Nacional para a Prevenção do Álcool e das Dependências (Anpaa) e Associação para a Redução de Riscos (AFR), a “história epidemiológica e a experiência clínica demonstram que o projeto de uma sociedade sem consumo de drogas é ilusório. As posturas proibicionistas e repressivas são inócuas-. Isso porque a cura raramente se dá apenas com a abstinência”. A abstinência, frisaram, causa exclusão. Ou seja, afasta dos sistemas de proteção e de acompanhamento uma parcela frágil e frequentemente marginalizada de consumidores- de drogas.
Barre Simousse recomenda a adoção da política de Frankfurt implementada em 1994, ao enfrentar o problema representado por 6 mil drogados que vagavam pelas ruas. A experiência espalhou-se por outras oito cidades alemãs e vários países-, como Suíça e Espanha, aderiram aos ambientes fechados de consumo. Nos EUA, existem salas seguras para uso de metadona, droga substitutiva à heroína.
Com as narcossalas de Frankfurt, o número de dependentes caiu pela metade até 2003. Os hospitais e os postos de saúde, antes delas, atendiam 15 casos graves por dia, com um custo estimado de 350 euros por intervenção.
O sistema alemão de Frankfurt oferece acolhida aos que vivem marginalizados e em péssimas condições de saúde e econômicas. Sem dúvida, virou uma forma de aproximação, incluindo cuidados médicos, informações úteis e ofertas de formação profissional e de trabalho. Nas oito cidades alemãs e entre os usuários dos programas de narcossalas, caiu o índice de mortalidade em virtude da melhora da qualidade de vida. -E pesquisas anuais sepultaram a tese de que as narcossalas poderiam estimular os jovens a ingressar no mundo das drogas.
As federações do comércio e da indústria alemãs apoiam os programas de narcossalas com 1 milhão de euros. E ninguém esquece a lição do professor Uwe Kemmesies, da Universidade- de Frankfurt: “Podemos reconhecer que a oferta de salas seguras para o consumo de drogas melhorou a expectativa e a qualidade de vida de muitos toxicodependentes que não desejam ou não conseguem abandonar as substâncias”.
–Wálter Fanganiello Maierovitch–
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