Como nascem os anjos: Milícia seqüestra até crianças
RIO - A história de vida dos irmãos José (nome fictício), de 5 anos, e Davi (nome fictício), de 6, seria outra caso não estivessem abrigados na Casa Maternal Mello Mattos, no Jardim Botânico, desde agosto de 2005. A mãe perdeu o direito de criá-los, por deixá-los abandonados na rua. Se não fosse isso, as crianças teriam o mesmo destino dos outros três irmãos, que desapareceram no dia 15 de julho do ano passado. Eles foram seqüestrados por homens de uma milícia que expulsou os traficantes do Morro São José Operário, na Praça Seca.
De acordo com dados que constam no Dossiê Criança e Adolescente, do Instituto de Segurança Pública (ISP), 635 crianças até 12 anos foram ameaçadas no Rio em 2006. No mesmo período, 20 crianças foram mortas pelo tráfico ou milícia na capital.
A rotina de abandono e de miséria, na verdade, começou na década de 50, quando a família da mãe de José e Davi chegou ao Rio. Dona Severina (nome fictício), uma cearense que nasceu no dia 12 de janeiro de 1952, nunca teve oportunidade de estudar. Cresceu analfabeta e virou doméstica. Veio ao Rio de Janeiro para tentar uma vida melhor, mas acabou virando mais uma miserável. O único bem que adquiriu foi um barraco de madeira no Morro São José Operário. Alcoólatra, teve os cinco filhos com três homens diferentes.
Severina não soube cuidar, ensinar ou dar amor aos filhos. Quando criança, também não recebeu nada disso. Como mãe, deixava os filhos abandonados, não tinha dinheiro para comida e só bebia. A situação de abandono do lar fez com que ela perdesse a guarda das crianças várias vezes, desde 2001. Para o Estado, Severina não servia para ser mãe.
A Vara da Infância precisava tirar de Severina as crianças que viviam em "situação de risco social". Em agosto de 2005, os meninos Davi e José foram recolhidos da rua por uma vizinha da família. Depois de cinco dias, a mulher entregou as crianças ao Conselho Tutelar de Jacarepaguá. Um conselheiro descobriu que outros dois filhos de Severina, Josivan*, de 10 anos, e Bernardo*, de 12, viviam na Central do Brasil. Eles não podiam voltar para o morro, pois estavam ameaçados por traficantes de drogas que ainda dominavam a comunidade. Quando foram "anistiados" pelo tráfico, voltaram a viver com a mãe e o irmão mais velho Flávio, de 16 anos.
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