Remédio inadequado
por Marina Ito
O sistema para acompanhar as autorizações de interceptações telefônicas concedidas por juízes estaduais do Rio de Janeiro não deve ser adotado como modelo pelo Judiciário do país. Isso porque, além de ser ineficaz para acabar com a “suposta banalização” dos grampos, põe fim ao sigilo necessário para algumas das investigações.
É o que defendem os juízes Ana Paula Vieira, Marcelo Ennes e Valéria Caldi, da Justiça Federal do Rio de Janeiro. O controle instituído pelo Tribunal de Justiça fluminense não os atinge, por óbvio. Mas os juízes federais se levantam contra a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça replicar o sistema da Justiça Estadual do Rio nos demais tribunais, inclusive os federais.
A reação ocorre no momento em que a Corregedoria do CNJ estuda apresentar uma Resolução para que o sistema seja adotado em todos os tribunais do país. A proposta poderá ser colocada em debate na terça-feira (24/6).
Pelo sistema implantado, o juiz estadual fluminense, para autorizar uma interceptação, precisa, além de fundamentar a decisão, incluir no sistema de informática do tribunal alguns dados do investigado, como o nome e o número do telefone, número do pedido do Ministério Público ou da Polícia, entre outras informações.
Em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico, os juízes manifestaram a principal preocupação com o modelo de controle das autorizações: a criação de um banco de dados em que pessoas tenham acesso ao número de telefone interceptado e ao nome do investigado. Para os juízes, o órgão administrativo do Judiciário não tem legitimidade para ter acesso a informações sigilosas.
Ao contrário do que afirma o desembargador Luiz Zveiter, corregedor do TJ fluminense e autor da idéia do sistema para controlar as autorizações, a juíza Ana Paula Vieira entende que o número do telefone interceptado e o nome do investigado são dados sigilosos que precisam ser resguardados.
A juíza também rechaçou a tese de que esse sistema de controle sirva para evitar a chamada “banalização dos grampos”. Para ela, não há como se falar em banalização. Ela explica que para saber se há banalização, é necessário analisar se o juiz está autorizando uma medida “excepcional e invasiva para um caso simples, que não merece tal medida”. Segundo Ana Paula Vieira, o tribunal nem poderia fazer o controle da fundamentação, pois estaria intervindo na atividade jurisdicional do juiz.
“O remédio que está sendo proposto não controla uma suposta banalização, mas cria um banco de dados acessível a pessoas não legitimadas”, afirma. Ela não tem dúvida de que esse mecanismo é inadequado e desproporcional para o problema apontado, ou seja, de uma suposta banalização nas autorizações de interceptações. “Episódios esporádicos estão sendo usados como se fossem maioria, como pretexto para um controle que não tem respaldo legal”, afirma.
Informações preciosas
Para a juíza Ana Paula, o que se controla com o banco de dados são informações de tudo o que é decidido dentro do tribunal no que se refere à interceptação. “Está se criando um tremendo instrumento de poder à margem da lei.”
Além disso, na opinião dos juízes, a criação de um banco de dados com as informações de números interceptados pode fazer com que a medida excepcional de autorização de escuta telefônica perca a efetividade. “A conseqüência natural é o investigado mudar o número”, afirma a juíza Valéria Caldi.
Os juízes alertaram para outro ponto. Eles questionam se os ministros dos tribunais superiores também terão de entrar com os dados dos investigados nos sistemas informatizados de acompanhamento de escutas. A questão remete a outra situação. Como os membros dos tribunais de 2ª instância não estão isentos a uma investigação por supostos crimes, o sistema informatizado poderia dar a informação se seus números estão sendo gravados.
Segundo informou o desembargador Luiz Zveiter ao ConJur, o juiz até poderia fazer essa consulta, mas o sistema registraria a informação de que aquele número foi consultado. O mecanismo poderia não evitar, mas dificultaria a inclusão do número no sistema para consulta, pois o juiz precisaria ter um pedido de interceptação para aquele telefone para poder consultá-lo.
Outro argumento usado pelo TJ fluminense para se adotar o controle dos grampos é o de comparar a quantidade de interceptações autorizadas pelo Judiciário com o número de interceptações feitas pelas operadoras de telefone.
Juízes explicam que não são contra informar quantas escutas foram determinadas. Para os juízes, esse número poderia facilmente ser esclarecido através de um ofício em que o juiz informasse à administração do Tribunal as estatísticas de quantas interceptações foram autorizadas. O problema é a obrigação de informar os números e nomes dos alvos da interceptação.
Quanto aos grampos ilegais, os juízes alertam que esse tipo de controle não vai detectá-los. “Quem faz isso, não vai documentar”, lembra o juiz Marcelo Ennes. Segundo o juiz, o mesmo não acontece com a interceptação legal, autorizada pelo juiz, que estará devidamente documentada e ter o controle jurisdicional. “Já há mecanismos para coibir as irregularidades”, completa Caldi.
Para a juíza Valéria Caldi, o controle das autorizações pode ser feito pelo próprio juiz. “Um juiz diligente controla suas medidas”, afirma. “Não é resistência infantil”, afirma Valéria. “Se a intenção é controlar os números, padronizar os documentos, não há problema nisso”, completou Ana Paula Vieira.
Fé nas operadoras
Segundo os juízes, as operadoras telefônicas são cautelosas com as interceptações. A juíza Valéria explica que as operadoras sabem que não têm obrigação de cumprir decisão manifestamente ilegal. A juíza Ana Paula afirma também que as operadoras podem se recusar a cumprir determinações irregulares. Por exemplo, não têm de cumprir determinação de juízes que não têm competência para autorizar interceptação telefônica, como juízes cíveis e do trabalho.
Além disso, cabe aos juízes adotarem medidas para que as informações sigilosas sejam resguardadas. “Na minha vara, determino no ofício que sejam informados os funcionários da operadora que tomaram ciência da ordem de interceptação”, afirma a juíza Valéria Caldi. Ela acredita que esse tipo de iniciativa é que precisa ser compartilhada e aprimorada.
Além dos juízes federais, juízes do TJ fluminense também têm discutido legalidade da medida de controle implementada. Em artigo publicado no ConJur, o juiz criminal Rubens Casara, do Rio, afirma que a medida não protege o investigado e exerce controle indevido de decisões de juízes.
Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2008
por Marina Ito
O sistema para acompanhar as autorizações de interceptações telefônicas concedidas por juízes estaduais do Rio de Janeiro não deve ser adotado como modelo pelo Judiciário do país. Isso porque, além de ser ineficaz para acabar com a “suposta banalização” dos grampos, põe fim ao sigilo necessário para algumas das investigações.
É o que defendem os juízes Ana Paula Vieira, Marcelo Ennes e Valéria Caldi, da Justiça Federal do Rio de Janeiro. O controle instituído pelo Tribunal de Justiça fluminense não os atinge, por óbvio. Mas os juízes federais se levantam contra a possibilidade de o Conselho Nacional de Justiça replicar o sistema da Justiça Estadual do Rio nos demais tribunais, inclusive os federais.
A reação ocorre no momento em que a Corregedoria do CNJ estuda apresentar uma Resolução para que o sistema seja adotado em todos os tribunais do país. A proposta poderá ser colocada em debate na terça-feira (24/6).
Pelo sistema implantado, o juiz estadual fluminense, para autorizar uma interceptação, precisa, além de fundamentar a decisão, incluir no sistema de informática do tribunal alguns dados do investigado, como o nome e o número do telefone, número do pedido do Ministério Público ou da Polícia, entre outras informações.
Em entrevista concedida ao site Consultor Jurídico, os juízes manifestaram a principal preocupação com o modelo de controle das autorizações: a criação de um banco de dados em que pessoas tenham acesso ao número de telefone interceptado e ao nome do investigado. Para os juízes, o órgão administrativo do Judiciário não tem legitimidade para ter acesso a informações sigilosas.
Ao contrário do que afirma o desembargador Luiz Zveiter, corregedor do TJ fluminense e autor da idéia do sistema para controlar as autorizações, a juíza Ana Paula Vieira entende que o número do telefone interceptado e o nome do investigado são dados sigilosos que precisam ser resguardados.
A juíza também rechaçou a tese de que esse sistema de controle sirva para evitar a chamada “banalização dos grampos”. Para ela, não há como se falar em banalização. Ela explica que para saber se há banalização, é necessário analisar se o juiz está autorizando uma medida “excepcional e invasiva para um caso simples, que não merece tal medida”. Segundo Ana Paula Vieira, o tribunal nem poderia fazer o controle da fundamentação, pois estaria intervindo na atividade jurisdicional do juiz.
“O remédio que está sendo proposto não controla uma suposta banalização, mas cria um banco de dados acessível a pessoas não legitimadas”, afirma. Ela não tem dúvida de que esse mecanismo é inadequado e desproporcional para o problema apontado, ou seja, de uma suposta banalização nas autorizações de interceptações. “Episódios esporádicos estão sendo usados como se fossem maioria, como pretexto para um controle que não tem respaldo legal”, afirma.
Informações preciosas
Para a juíza Ana Paula, o que se controla com o banco de dados são informações de tudo o que é decidido dentro do tribunal no que se refere à interceptação. “Está se criando um tremendo instrumento de poder à margem da lei.”
Além disso, na opinião dos juízes, a criação de um banco de dados com as informações de números interceptados pode fazer com que a medida excepcional de autorização de escuta telefônica perca a efetividade. “A conseqüência natural é o investigado mudar o número”, afirma a juíza Valéria Caldi.
Os juízes alertaram para outro ponto. Eles questionam se os ministros dos tribunais superiores também terão de entrar com os dados dos investigados nos sistemas informatizados de acompanhamento de escutas. A questão remete a outra situação. Como os membros dos tribunais de 2ª instância não estão isentos a uma investigação por supostos crimes, o sistema informatizado poderia dar a informação se seus números estão sendo gravados.
Segundo informou o desembargador Luiz Zveiter ao ConJur, o juiz até poderia fazer essa consulta, mas o sistema registraria a informação de que aquele número foi consultado. O mecanismo poderia não evitar, mas dificultaria a inclusão do número no sistema para consulta, pois o juiz precisaria ter um pedido de interceptação para aquele telefone para poder consultá-lo.
Outro argumento usado pelo TJ fluminense para se adotar o controle dos grampos é o de comparar a quantidade de interceptações autorizadas pelo Judiciário com o número de interceptações feitas pelas operadoras de telefone.
Juízes explicam que não são contra informar quantas escutas foram determinadas. Para os juízes, esse número poderia facilmente ser esclarecido através de um ofício em que o juiz informasse à administração do Tribunal as estatísticas de quantas interceptações foram autorizadas. O problema é a obrigação de informar os números e nomes dos alvos da interceptação.
Quanto aos grampos ilegais, os juízes alertam que esse tipo de controle não vai detectá-los. “Quem faz isso, não vai documentar”, lembra o juiz Marcelo Ennes. Segundo o juiz, o mesmo não acontece com a interceptação legal, autorizada pelo juiz, que estará devidamente documentada e ter o controle jurisdicional. “Já há mecanismos para coibir as irregularidades”, completa Caldi.
Para a juíza Valéria Caldi, o controle das autorizações pode ser feito pelo próprio juiz. “Um juiz diligente controla suas medidas”, afirma. “Não é resistência infantil”, afirma Valéria. “Se a intenção é controlar os números, padronizar os documentos, não há problema nisso”, completou Ana Paula Vieira.
Fé nas operadoras
Segundo os juízes, as operadoras telefônicas são cautelosas com as interceptações. A juíza Valéria explica que as operadoras sabem que não têm obrigação de cumprir decisão manifestamente ilegal. A juíza Ana Paula afirma também que as operadoras podem se recusar a cumprir determinações irregulares. Por exemplo, não têm de cumprir determinação de juízes que não têm competência para autorizar interceptação telefônica, como juízes cíveis e do trabalho.
Além disso, cabe aos juízes adotarem medidas para que as informações sigilosas sejam resguardadas. “Na minha vara, determino no ofício que sejam informados os funcionários da operadora que tomaram ciência da ordem de interceptação”, afirma a juíza Valéria Caldi. Ela acredita que esse tipo de iniciativa é que precisa ser compartilhada e aprimorada.
Além dos juízes federais, juízes do TJ fluminense também têm discutido legalidade da medida de controle implementada. Em artigo publicado no ConJur, o juiz criminal Rubens Casara, do Rio, afirma que a medida não protege o investigado e exerce controle indevido de decisões de juízes.
Revista Consultor Jurídico, 16 de junho de 2008
Nenhum comentário:
Postar um comentário