Manifesto Basta de Guerra
MANIFESTO
SUBSCRITO PELA AJD (Associação Juízes para a Democracia)
BASTA
DE GUERRA: É HORA DE OUTRA POLÍTICA DE DROGAS PARA O BRASIL
O
debate está em jornais, revistas, redes de televisão. Tomou ruas,
internet, livros, personalidades, políticos e campanhas eleitorais.
Ganhou espaço e consistência que mostram cada vez mais a falência da política
proibicionista em termos humanos, de segurança, de direitos, liberdades e saúde
pública. O Brasil se tornou um dos mais sangrentos campos de batalha da guerra
às drogas, um sistema racista, antigo e ineficiente para lidar como uma questão
complexa e urgente. Uma lei que redunda em morte e gastos públicos elevados e
de nenhuma forma ataca o consumo entre jovens e adultos, muito menos o abuso:
apenas desloca-o para uma esfera ainda mais intocável.
O
consumo de substâncias alteradoras de consciência é milenar, está imbricado com
a própria evolução da humanidade. A tentativa recente de coerção a este hábito,
às vezes nocivo à saúde às vezes não,
não só é comprovadamente um fracasso como traz em si uma série de efeitos
nefastos e que devem preocupar a qualquer um que deseja um mundo menos injusto.
Da
mesma forma que uma caneta pode escrever lindos poemas ou perfurar uma jugular,
os efeitos das diferentes drogas, com suas diferentes culturas de uso, dependem
de seu uso. Assim, ao mesmo tempo em que não cabe demonizá-las a priori, como
se fossem dotadas de propriedades metafísicas, tampouco é sensato endeusá-las,
acreditar que elas por si sejam transformadoras, revolucionárias ou coisa que o
valha. Não defendemos que o uso de drogas traga um mundo melhor, mas não
deixamos de ver o evidente: a proibição do consumo de algumas delas torna o
mundo muito pior.
Você
se importa com o encarceramento em massa? O Brasil já é o terceiro país que
mais prende seus cidadãos no mundo, atrás apenas de EUA e China, e dos cerca de
500 mil detidos no país praticamente um quarto deles está nesta situação
desumana por conta de crimes relacionados a drogas.
Você
se importa com o racismo e a criminalização da pobreza? A origem da proibição da maconha, e de outras
drogas, está altamente conectada com discursos e práticas racistas e xenófobas,
em todo o mundo. No Brasil, a primeira lei que criminalizou a maconha tinha
como alvo a população negra do Rio de Janeiro, e hoje a maior parte dos
afetados pela guerra às drogas tem pele escura e baixas condições econômicas.
Enquanto ricos e classe média são identificados como usuários, o pobre é sempre
o traficante, com a guerra às drogas servindo como instrumento estatal de
segregação e controle social de populações desfavorecidas.
Você
se importa com o sofrimento humano e com o avanço da ciência? A proibição das
drogas não só impede tratamento efetivo, de qualidade e público aos que fazem
uso abusivo como freia também o desenvolvimento da ciência, que pode ter muitos
ganhos com as pesquisas sobre psicotrópicos em geral. Já foi provado cientificamente
o valor medicinal da cannabis - e de outras drogas transformadas em “tabu” - no
tratamento de diversas enfermidades que sofremos, aliviando seus sintomas e
preparando a cura: câncer, AIDS, Mal de Parkinson, depressão, ansiedade,
enxaqueca e a lista não para de crescer.
Você
se importa com informação de qualidade e prevenção ao uso abusivo? Você se
importa com direitos civis e liberdades individuais? Você se importa com a
situação da mulher e o encarceramento feminino no Brasil? Você se importa com a corrupção? Você se
importa com guerras e conflitos armados ao redor do mundo? Você se importa com
a colonização da política e da vida empreendida pelas indústrias armamentista e
farmacêutica?
Chegou
a hora de ver que isso não interessa só a meia dúzia de maconheiros, chegou a
hora de parar de estigmatizar este debate. Chegou a hora de encarar os fatos,
olhar nos olhos da realidade e ver que como está não pode ficar. A luta contra
o proibicionismo quer colocar seus ombros ao lado de todos que lutam por outro
mundo, assim como convidar aqueles e aquelas que dizem um basta à injustiça e à
opressão a participar de nossa caminhada. Afinal, quando uma luta avança,
nenhuma outra retrocede.
Basta
de racismo, moralismo, violência, corrupção e proibição. Queremos o direito à
saúde, à informação, ao próprio corpo, à autonomia, à liberdade: é tempo de uma
nova política de drogas para o Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário