A Marcha da Maconha está sendo realizada neste sábado (19), em
São Paulo, partindo do Museu de Arte de São Paulo (Masp), seguindo pela
avenida Paulista, ruas Augusta e da Consolação até a praça da República.
Para quem não se lembra, a proibição da Marcha da Maconha pela Justiça, a pedido do Ministério Público de São Paulo, levou a cenas de selvageria por parte da Polícia Militar,
que usou bombas de gás lacrimogênio, spray de pimenta e balas de
borracha contra manifestantes e jornalistas na capital paulista no dia
21 de maio de 2011. Após manifestações exigindo liberdade de expressão
em todo o país, a manifestação foi autorizada pelo Supremo Tribunal
Federal, em 15 de junho do ano passado, por oito votos a favor e nenhum
contrário.
A verdade é que temos, por aqui, um liberalismo de brincadeirinha,
sem a parte boa das liberdades individuais. É dever possibilitar
mercados livres, mas a pessoa não conta com o mesmo benefício. O Estado é
xingado se meter o bedelho nos negócios de particulares, mas elogiado
quando diz com quem me deito, o que consumo e o fim que dou ao meu
corpo.
Desta vez, a marcha trouxe um manifesto pela
revisão da (falida) política de drogas adotada no Brasil. Publico o
texto na íntegra abaixo, com imagens que trago da manifestação:
“O debate está em jornais, revistas, redes de televisão. Tomou
ruas, internet, livros, personalidades, políticos e campanhas
eleitorais. Ganhou espaço e consistência que mostram cada vez mais a
falência da política proibicionista em termos humanos, de segurança, de
direitos, liberdades e saúde pública. O Brasil se tornou um dos mais
sangrentos campos de batalha da guerra às drogas, um sistema racista,
antigo e ineficiente para lidar como uma questão complexa e urgente. Uma
lei que redunda em morte e gastos públicos elevados e de nenhuma forma
ataca o consumo entre jovens e adultos, muito menos o abuso: apenas
desloca-o para uma esfera ainda mais intocável.
O consumo de substâncias alteradoras de consciência é milenar, está
imbricado com a própria evolução da humanidade. A tentativa recente de
coerção a este hábito, às vezes nocivo à saúde às vezes não, não só é
comprovademente um fracasso como traz em si uma série de efeitos
nefastos e que devem preocupar a qualquer um que deseja um mundo menos
injusto.
Da mesma forma que uma caneta pode escrever lindos poemas ou perfurar
uma jugular, os efeitos das diferentes drogas, com suas diferentes
culturas de uso, dependem de seu uso. Assim, ao mesmo tempo em que não
cabe demonizá-las a priori, como se fossem dotadas de propriedades
metafísicas, tampouco é sensato endeusá-las, acreditar que elas por si
sejam transformadoras, revolucionárias ou coisa que o valha. Não
defendemos que o uso de drogas traga um mundo melhor, mas não deixamos
de ver o evidente: a proibição do consumo de algumas delas torna o mundo
muito pior.
Você se importa com o encarceramento em massa? O Brasil já é o
terceiro país que mais prende seus cidadãos no mundo, atrás apenas de
EUA e China, e dos cerca de 500 mil detidos no país praticamente um
quarto deles está nesta situação desumana por conta de crimes
relacionados a drogas.
Você se importa com o racismo e a criminalização da pobreza? A
origem da proibição da maconha, e de outras drogas, está altamente
conectada com discursos e práticas racistas e xenófobas, em todo o
mundo. No Brasil, a primeira lei que criminalizou a maconha tinha como
alvo a população negra do Rio de Janeiro, e hoje a maior parte dos
afetados pela guerra às drogas tem pele escura e baixas condições
econômicas. Enquanto ricos e classe média são identificados como
usuários, o pobre é sempre o traficante, com a guerra às drogas servindo
como instrumento estatal de segregação e controle social de populações
desfavorecidas.
Você se importa com o sofrimento humano e com o avanço da ciência? A
proibição das drogas não só impede tratamento efetivo, de qualidade e
público aos que fazem uso abusivo como freia também o desenvolvimento da
ciência, que pode ter muitos ganhos com as pesquisas sobre
psicotrópicos em geral. Já foi provado cientificamente o valor medicinal
da cannabis – e de outras drogas transformadas em “tabu” – no
tratamento de diversas enfermidades que sofremos, aliviando seus
sintomas e preparando a cura: câncer, AIDS, Mal de Parkinson, depressão,
ansiedade, enxaqueca e a lista não para de crescer.
Você se importa com informação de qualidade e prevenção ao uso
abusivo? Você se importa com direitos civis e liberdades individuais?
Você se importa com a situação da mulher e o encarceramento feminino no
Brasil? Você se importa com a corrupção? Você se importa com guerras e
conflitos armados ao redor do mundo? Você se importa com a colonização
da política e da vida empreendida pelas indústrias armamentista e
farmacêutica?
Chegou a hora de ver que isso não interessa só a meia dúzia de
maconheiros, chegou a hora de parar de estigmatizar este debate. Chegou a
hora de encarar os fatos, olhar nos olhos da realidade e ver que como
está não pode ficar. A luta contra o proibicionismo quer colocar seus
ombros ao lado de todos que lutam por outro mundo, assim como convidar
aqueles e aquelas que dizem um basta à injustiça e à opressão a
participar de nossa caminhada. Afinal, quando uma luta avança, nenhuma
outra retrocede.
Basta de racismo, moralismo, violência, corrupção e proibição.
Queremos o direito à saúde, à informação, ao próprio corpo, à autonomia,
à liberdade: é tempo de uma nova política de drogas para o Brasil.
Marcha da Maconha São Paulo
(Subscrevem também outras entidades)
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