sexta-feira, 21 de maio de 2010

Judeus dos EUA escancaram suas opiniões divergentes sobre Israel

Crítica ao estado era tabu entre famílias e grupos judeus americanos. Mas a tensão diplomática com o governo Obama tornou a discussão pública.


Há muito tempo, criticar Israel tem sido um tabu em muitas famílias e grupos de amigos judeus, levando as discordâncias a uma zona desmilitarizada de conversa aonde apenas os inocentes e os imprudentes vão.

“Realmente, não podemos falar sobre isso”, disse Phillip Moore, professor neste subúrbio de Detroit que abraçou fortes opiniões em muitos temas de sua vida – política, educação, até religião –, mas evita o assunto Israel em reuniões com seus parentes judeus.

3Phillip Moore durante debate sobre Israel em subúrbio de Detroit em 22 de abril. (Foto: The New York Times)

“Você levanta a questão das forças de segurança ou dos acampamentos, e de repente está sendo comparado a uma pessoa que nega o Holocausto”, disse Moore, 62 anos. “Não é uma discussão racional, então fico calado”.

Porém, a recente tensão entre o governo de Obama e o israelense sobre o enguiçado processo de paz no Oriente Médio colocou as questões por trás das discussões familiares há muito tempo evitadas diretamente à vista do público. Essa tensão levantou sérios questionamentos sobre se a liderança tradicional do mundo judeu americano é amplamente apoiada pela massa de americanos judeus.

As questões surgiram em abril, quando autoridades americanas repreenderam publicamente Israel em relação ao anúncio de novos planos de construção no leste de Jerusalém, e provavelmente crescerão, à medida que diálogos indiretos entre israelenses e palestinos, mediados pelo governo de Obama, são retomados. O presidente Barack Obama, que trabalha para aliviar essas tensões, se encontrou recentemente com o ganhador do Nobel Elie Wiesel, que tinha criticado o governo americano em um anúncio no mês passado.

Muitos outros judeus célebres, representando a liderança organizacional conservadora que tem sido a voz dominante da comunidade judaica há décadas, também criticaram recentemente a pressão do governo Obama em Israel. Alguns até acusaram a Casa Branca de sabotar as bases do estado judaico.

O ex-prefeito de Nova York Edward I. Koch falou por muitos defensores firmes de Israel recentemente, quando disse a uma multidão raivosa de 500 pessoas unidas do lado de fora do consulado israelense em Manhattan, em declaração gravada em vídeo, que a exigência de Obama para uma paralisação dos assentamentos no leste de Jerusalém era nada menos que um esforço orquestrado “para minar a legitimidade do estado de Israel.”

Embora essas vozes tenham sido fortes e sua mensagem, inconfundível, uma nova ala de defensores de Israel começou a desafiar o apoio reflexivo antigo das políticas do país, sugerindo que o individuo não tem de ser submisso às políticas de Israel para amar o país.

“Muitos judeus têm sentimentos confusos em relação a Israel”, disse o rabino Tamara Kolton, do Templo Birmingham, uma congregação humanística secular localizada em Farmington Hills. “Eles apoiam Israel, mas é complicado. Até agora, você nunca ouvia falar dessas pessoas. Só ouvia falar dos organizados, dos que estão 100% certos: ‘Nós estamos certos, eles estão errados’.”

Na eleição de 2008, 78% dos eleitores judeus apoiaram Obama, e pesquisas sugerem que a maioria continua a apoiar suas políticas.

Em uma pesquisa realizada depois do conflito diplomático de março, o Comitê Judeu Americano – o centro do grupo tradicional dominante – encontrou pouca mudança no grau de apoio judeu à forma como Obama lida com as relações com Israel. A pesquisa descobriu que 55% aprovam a forma como o presidente lida com as relações com Israel, em comparação a 54% no ano passado (seu índice de reprovação aumentou 5 pontos, para 37%).

Jeremy Ben-Ami, fundador de um grupo de lobby de Washington chamado de J Street, a mais nova de várias organizações que representam a voz de judeus liberais que apoiam Israel, mas não todas as suas políticas, disse que muitas pessoas há muito tempo se sentem ignoradas ou silenciadas pelo establishment pró-Israel nos Estados Unidos.

“As pessoas estão cansadas de ouvir que ou estão conosco ou contra nós”, ele disse. “A maioria dos judeus americanos apoia o presidente, a solução de dois estados e não acham que estão bem representados por organizações que exigem obediência a todo e qualquer desejo do governo israelense. Obama recebeu 80% dos votos de judeus. Isso diz alguma coisa.”

Entretanto, no vasto espectro de opiniões, os judeus americanos continuam a ter fortes ligações com Israel, e as tensões recentes produziram um debate intenso, muitas vezes inflamado. O rancor fez com que delegados da convenção anual do Conselho Judaico de Assuntos Exteriores, uma grupo guarda-chuva de relações comunitárias que inclui todas as grandes organizações judaicas americanas, adotassem uma resolução, em fevereiro, pedindo a interrupção de “um nível de incivilidade, especialmente em questões pertinentes a Israel, que nunca foi testemunhado na história recente.”

Abraham Foxman, diretor nacional da Liga Anti-Difamação, previu que os índices de aprovação de Obama entre judeus logo refletiria o que ele chama de “profunda angústia” com sua abordagem.

“As pessoas estão com raiva”, ele disse. “Os americanos não querem a paz empurrada goela abaixo dos israelenses.”

Porém, Steven M. Cohen, sociólogo do Hebrew Union College, em Manhattan, e co-autor de um estudo publicado no ano passado que mapeou um acentuado declínio nos laços com Israel entre judeus mais jovens, afirmou que os jovens e as pessoas com inclinação liberal estão frustrados de serem rotulados de “anti-Israel” ou até anti-semitas por expressarem oposição ao tratamento dado por Israel aos palestinos nos territórios ocupados.

Muitos liberais citam uma medida enérgica em São Francisco como exemplo. Depois que líderes da Federação da Comunidade Judaica de São Francisco souberam que um dos grupos de cinema que eles apoiavam tinha patrocinado a exibição de um documentário israelense criticando forças de segurança de Israel (“Rachel”, sobre uma mulher americana morta em Gaza), eles adotaram novas regras no começo deste ano, proibindo qualquer uma das organizações culturais apoiadas por eles de apresentar programas que “minem a legitimidade do estado de Israel”.

William Daroff, vice-presidente de políticas públicas das Federações Judaicas da América do Norte, defendeu a decisão da federação de São Francisco. “É bom haver uma troca de opiniões aberta dentro da comunidade pró-Israel”, ele disse. “Mas deve haver algum tipo de limite entre a discussão construtiva e a comunicação destrutiva que não reconhece Israel como o lar eterno do povo judeu.”

As questões que os judeus agora enfrentam se origina não em ser pró ou contra Israel, mas nas nuances de diferenças sobre como alcançar a paz, e as complexidades da relação entre Israel – um estado cujo governo hoje é dominado por políticos nacionalistas e ultra-religiosos – e a base de apoio judeu predominantemente secular e de tendência liberal nos Estados Unidos.

O esforço para definir o terreno intermediário ficou em evidência no mês passado entre um pequeno grupo de judeus americanos que se uniram em uma sinagoga no subúrbio de Detroit para descrever a visão das recentes agitações de algum lugar no meio demográfico.

Havia sete pessoas da lista “mais ou menos ativa” do Templo Birmingham, disse Kolton, que se uniu a eles a pedido de um repórter porque eles mal se encaixavam no perfil de cerca de 60% de judeus americanos, de acordo com vários estudos: eles não pertencem a uma sinagoga, não vão a cultos, não pertencem a organizações judaicas, mas se consideram judeus – ligados a uma teia de história, cultura e DNA ao seu judaísmo e, por tabela, a Israel.

“Meus pais eram judeus, então sou judeu”, disse Rosetta Creed, 87 anos, administradora de hospital aposentada. “Entro em discussões com pessoas que criticam Israel.”

2Rosetta Creed durante o debate. (Foto: The New York Times)

Todos eles afirmaram ter votado em Obama, apoiar seus esforços para estimular Israel e acreditar que nunca haveria paz no Oriente Médio sem a intervenção determinada dos Estados Unidos.

Entretanto, Creed disse: “Fico com raiva que os israelenses sempre sejam culpados pelos problemas e solicitados a fazer concessões”. “Sabe, os israelenses não são os que lançam mísseis e colocam combatentes em casas com crianças dentro.”

Cada um do seu jeito, todos se referiram à história da perseguição aos judeus no mundo todo e observaram que a ausência dessa perseguição aqui e agora não poupava a ideia e o medo (quando suásticas profanam uma sinagoga ou milícias neonazistas aparecem no telejornal) de que Israel sempre será o último santuário.

Com muitos de seus filhos casados com pessoas de outra origem, eles refletem sobre o significado que Israel teria para seus netos e bisnetos.

“Encaremos a verdade, a cada geração estamos ficando cada vez menos judeus”, disse Irving Hershman, agente de seguros criado em um lar ortodoxo.

Ele previu, com tristeza, que os laços entre judeus americanos e Israel se dissipariam em 5 ou 10 gerações.

Moore, o professor e diretor de escola, expressou frustração de que a voz da defesa israelense nos Estados Unidos esteja monopolizada pelo que ele chama de campo “Israel certo ou errado”.

Israel não é apenas o lar dos judeus, mas do judaísmo, ele disse, e deve ser conhecido por adotar os valores do centro do judaísmo – verdade, justiça, bondade, liberdade.

Isso é o que ele diria aos parentes “linha-dura”, ele disse, “embora tenha certeza que isso não mudaria a opinião deles”.

1Bob Maggib assiste ao debate. (Foto: The New York Times)

Tradução: Gabriela d’Ávila

Fonte G1

Nenhum comentário:

Postagens mais visitadas

Palestina e o silêncio que mata

A preocupação nunca foi com os reféns,  tampouco com o Hamass. O objetivo é o apagamento de um povo e sua cultura.  O móvel, a terra. Ao col...