AS ESTRELAS E OS ANIMAIS DES-ALADOS
Odemar Leotti*
As estrelas nunca deixam de brilhar. O que existe só um impedimento aos olhares. O mais lindo é a imagem de sua existência que fica no nosso pensar e que nos dá fé da volta de seus brilhos. O mais triste são os que não olham para o céu. Para eles é indiferente se estão ou não lá. Elas sorriem para quem as olham. Já observou uma criança olhando para elas? Dá uma inveja da capacidade de absorção de seu olhar. Sempre mostro as estrelas para a minha Fernandinha e quando olha, ela não mais me vê. Fico com vontade de chorar de tanta graça que vejo naquele olhar. Às vezes assusto com a total entrega. É uma entrega total ao olhar. Fico pasmo com a o maravilhamento naquele olhar. Não sorri. Não fica falando ó que linda. Não tenta contar para ninguém, não fica falando que curte as estrelas. Não fala mal de quem não olha. Não tenta escrever nada sobe o que viu. Absorve-se em seu mistério. Toma-se em seu desejo e vai-se da gente. Parece que só a imagem ficou ali. Parece, ao nosso pobre olhar, que ela tem já pronto uma interatividade, um saber já existente com aquele lugar. É com a lua e com as estrelas. Para aquele olhar nem essa diferenciação existe. Isso é coisa da sistematização da natureza. Ela só sabe que é lua ou estrela quando nomeamos para ela esse espaço. Seu olhar é absorto totalmente entregue a uma contemplação silenciosa por isso não silenciada. Para seu olhar esse lugar não é céu, não tem deus, não tem morada futura. O que parece a uma leitura miúda é que ela morava lá e olha com olhar de uma saudade de quem só pode voltar com o olhar. Um silêncio que para o latido dos cachorros. É algo inexplicável pela divindade desse olhar. Ele ainda não está feito pela implantação perversa do saber clerical. Esse saber, que junto com o racionalismo nos roubam a vontade de olhar as estrelas. E quando a fazemos é sem uma entrega. Não temos garantido o silêncio do olhar. Ele fica carregado de intencionalidade presa ao sistema que determina o olhar. Não se joga e pensa no salto como a criança. Esse saber não mais deixa esfolar a pele, simplesmente a higieniza e inibe o desejo. Daí, uma vez o desejo reinstituído pelo pensamento sistemático, determinador e árido. Sem asas próprias, nosso olhar vai como uma encomenda maldita que não nos desliga das ligações com as verdades transcendentais. O valor que absolutizava as coisas agora requer delas uma ordem que anula seus mistérios e os mistérios de nossos olhares. Não há mais lugar para o nascedouro da vida. Andemos e trabalhemos: essa maravilha é das crianças enquanto nas cortamos as possibilidades de terem asas.
As implantações dessas verdades nos cortam as asas e nos impedem de voar. O pior disso tudo é que implantação não é repressão. É pior, ela rouba a vontade do desejo de voar e nos ensinam a cortar as asas das crianças para que também não mais possam voar. A cada dia a gente arranca uma peninha das asas de nossas crianças. E fazemos com uma eficácia preventiva que elas nem notam que iriam ter asas. Aquelas que não foram impedidas de serem animais alados, são apedrejadas em seu voar e ficam como passarinhos machucados. Os olhos não mais ficam arregalados do maravilhamento, mas de estupor por estar à mercê das pedradas ou da gaiola que as esperam. Anjos matando anjos para que ninguém consiga voar. Voar passa a ser uma loucura. Somente os loucos voam e os normais, esses animais dês-alados, desabados, andam capengando a esmo impossibilitados de ver as estrelas. E quando olham para o chão não vêem mais que um chão sem sentido, não conseguem ver as formiguinhas que se massacram sob o peso dos seus pés, sem dizer a mesma blasfêmia como hora que da picada. Olhar para o chão e para o céu deu lugar a um olhar para frente. A frente alvo da marcha contra o agora, à mansidão, o corpo totalizado em seu prazer. Só a frente tem vida. Só lá e nunca aqui. Essa proliferação maldita rouba de nós o prazer do estar aqui, e sempre queremos estar em outro lugar. Estamos num rio contando que conhece um rio melhor, num bar conta de um bar melhor, inveja o passeio de outro lugar. Enfim não nos encontramos com o agora nunca, pois fomos implantados animais não alados, e por isso somos de um exército de um só, uniformizado. Não voamos e nem queremos voar. Somos muitos, mas não sabemos voar. Não olhamos as estrelas. Que estrelas. Existem tantas estrelas. Somos roubados de nós mesmo sem nem ser preciso arrombar as portas. Como disse Nietzsche: “O quão longe estamos de nós mesmos!”.
*Odemar Leoti é Mestre em História pela UNICAMP
As implantações dessas verdades nos cortam as asas e nos impedem de voar. O pior disso tudo é que implantação não é repressão. É pior, ela rouba a vontade do desejo de voar e nos ensinam a cortar as asas das crianças para que também não mais possam voar. A cada dia a gente arranca uma peninha das asas de nossas crianças. E fazemos com uma eficácia preventiva que elas nem notam que iriam ter asas. Aquelas que não foram impedidas de serem animais alados, são apedrejadas em seu voar e ficam como passarinhos machucados. Os olhos não mais ficam arregalados do maravilhamento, mas de estupor por estar à mercê das pedradas ou da gaiola que as esperam. Anjos matando anjos para que ninguém consiga voar. Voar passa a ser uma loucura. Somente os loucos voam e os normais, esses animais dês-alados, desabados, andam capengando a esmo impossibilitados de ver as estrelas. E quando olham para o chão não vêem mais que um chão sem sentido, não conseguem ver as formiguinhas que se massacram sob o peso dos seus pés, sem dizer a mesma blasfêmia como hora que da picada. Olhar para o chão e para o céu deu lugar a um olhar para frente. A frente alvo da marcha contra o agora, à mansidão, o corpo totalizado em seu prazer. Só a frente tem vida. Só lá e nunca aqui. Essa proliferação maldita rouba de nós o prazer do estar aqui, e sempre queremos estar em outro lugar. Estamos num rio contando que conhece um rio melhor, num bar conta de um bar melhor, inveja o passeio de outro lugar. Enfim não nos encontramos com o agora nunca, pois fomos implantados animais não alados, e por isso somos de um exército de um só, uniformizado. Não voamos e nem queremos voar. Somos muitos, mas não sabemos voar. Não olhamos as estrelas. Que estrelas. Existem tantas estrelas. Somos roubados de nós mesmo sem nem ser preciso arrombar as portas. Como disse Nietzsche: “O quão longe estamos de nós mesmos!”.
*Odemar Leoti é Mestre em História pela UNICAMP
Nenhum comentário:
Postar um comentário