Mais da metade dos menores infratores morreu ou cometeu outros crimes
RIO - O ano marcado pela trágica morte do menino João Hélio, que levou para o Congresso Nacional a discussão sobre a redução da maioridade penal, é também o primeiro para uma geração que, por ter completado 18 anos, não pode mais dizer: "Sou dimenor". A partir deste domingo, o jornal "O Globo" revela, numa série de reportagens, o retrato atual dos jovens que responderam aos mais de cinco mil processos abertos na Vara da Infância e Juventude do Rio, em 2000. Inédita no país, a pesquisa, feita pelos repórteres durante um ano, põe em xeque o sistema de aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), tanto na proteção dos menores quanto do restante da sociedade: dos 2.363 adolescentes infratores atendidos pelo estado na época, nada menos que 1.243 (52,6%) já foram flagrados cometendo crimes como adultos ou estão mortos.
Em sua maioria, são casos semelhantes ao de Anderson (nome fictício), de 22 anos, que hoje está entre os mais de 400 presos na carceragem da 59 DP (Caxias). Sereno, ele relembra com clareza os seus primeiros contatos com o crime, em 2000, quando tinha apenas 14 anos. Naquele ano, foram duas passagens pelo juizado, por tráfico de drogas. Em 2002, mais uma, por roubo.
- Não mudou nada quando fiz 18 anos. Só pensei: daqui a pouco faço 30. Preciso fazer um assalto melhor, o último. E até hoje estou tentando fazer o último - diz.
A maioridade mudou pouco sua vida. Seguiu a rotina de roubos à mão armada que começou aos 16 anos, quase sempre praticados sob o efeito de drogas. Perdeu a conta dos assaltos que cometeu, mas foi preso por causa de dois. Em 3 de outubro de 2006, duas semanas depois de ter sido solto de seu primeiro período na cadeia, voltou a ser detido, ao tentar praticar uma "saidinha de banco". Desde então, aguarda julgamento na carceragem de Caxias.
- Assim como eu, existem vários e vai haver muitos ainda. Não adianta matarem um, dois, que não vai acabar. Não adianta.
Um em cada cinco infratores de 2000 é hoje um fantasma na sociedade
A segunda reportagem da série "Dimenor: os adultos de hoje" revela que, dos 2.363 adolescentes infratores atendidos pelo estado no ano de 2000, 475 (20,1%) não têm atualmente seus nomes na base de identificação do Detran-RJ. O dado aponta duas hipóteses preocupantes: ou esses jovens passaram pela Vara da Infância e da Juventude na época com dados completamente falsos ou não têm hoje, todos maiores de idade, um documento de identidade, condição básica de cidadania.
Esses números fazem parte de uma pesquisa, inédita no país, feita ao longo de mais de um ano pelo jornal "O Globo", com base nos mais de cinco mil processos de jovens que cometeram delitos no Rio em 2000. Na primeira reportagem a série mostrou que 52,6% dos infratores atendidos pelo estado na época já morreram ou foram flagrados cometendo crimes como adultos.
Em setembro deste ano, um caso inusitado chegou à Coordenadoria de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) da Defensoria Pública. Guilherme (nome fictício) cumpriu, durante quase quatro anos, penas em presídios como se fosse maior de idade, apesar de sua mãe ter uma certidão de nascimento que comprovava o contrário. A confusão ocorreu justamente pela quantidade de nomes falsos que o jovem, hoje com 20 anos, deu durante suas três passagens pela Vara da Infância e da Juventude do Rio.Ouça: Guilherme conta seu drama
Em 2003, na sua terceira passagem pelo juizado, Guilherme foi detido por causa de um assalto na Barra, em que simulou estar armado. Ele recebeu uma medida socioeducativa de semiliberdade, a ser cumprida numa unidade com muros baixos, e fugiu assim que chegou. No mesmo ano, foi recapturado pela polícia e deu outro nome falso. Isso acabou criando um novo problema: respondeu pelo roubo, também como maior, na 29 Vara Criminal.
- Fugi e me recapturaram. Os policiais disseram que eu era "dimaior" e me puseram na cadeia. Minha mãe levou minha certidão de nascimento, mas eles disseram que o documento não provava nada e que eu poderia arrumá-lo em qualquer esquina. Assim, eu cheguei ao presídio com 17 anos - conta.
Quase metade dos menores de 12 anos que passaram pelo Juizado
RIO - João começou cedo. Aos 11 anos, já sabia de cor todos os atalhos de Ipanema e Copacabana, onde praticava furtos contra turistas. Um ano depois, estava envolvido com traficantes da Favela da Rocinha. Assim como ele, outras 153 crianças com menos de 12 anos tiveram processos abertos na 2ª Vara da Infância e da Juventude do Rio em 2000. Muitas foram conduzidas ao juizado mais de dez vezes. Algumas chegaram a registrar 16, 19 e até 29 passagens. A terceira reportagem da série "Dimenor: os adultos de hoje" mostra que, quase oito anos depois, 72 (46,7%) reincidiram antes de completar 18 anos.
Somando-se o tempo das 26 passagens pelo juizado, João perdeu pelo menos quatro anos de sua vida em abrigos e internatos. Antes de completar 12 anos, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ele só podia receber medida protetiva: era levado para abrigos e fugia no mesmo dia. Depois, passou a receber medidas socioeducativas mais rigorosas, como a internação que cumpre hoje no Santo Expedito. Apesar de estar com 19 anos, ele ainda cumpre a medida lá porque cometeu o crime antes de ter 18. João diz que perdeu a conta do número de assaltos que praticou:
- Eu pegava o gringo com faca. Sentava na areia da praia à noite e esperava ele passar. Eu e mais dois íamos em cima dele com a faca.
A porcentagem (46,7%) de menores com menos de 12 anos e que reincidiram no crime antes dos 18 não significa que o restante também não tenha cometido outros. A pesquisa feita pelo jornal "O Globo" mostrou que a maioria dessas crianças tinha pouquíssimos dados nos processos abertos pelo juiz de menores naquele ano, o que impossibilitou um levantamento preciso sobre a evolução delas. Em muitos casos, os autos estavam sem informações importantes, como o sobrenome ou a data de nascimento das crianças.
Os problemas na identificação foram revelados na segunda reportagem da série : um em cada cinco adolescentes infratores, entre 12 e 18 anos, atendidos pelo estado no ano de 2000, não tem hoje seus nomes na base de dados do Detran-RJ, responsável pela emissão de carteiras de identidade.
Na primeira reportagem a série mostrou que 52,6% dos infratores atendidos pelo estado na época já morreram ou foram flagrados cometendo crimes como adultos.
Após a maioridade, oitenta e um infratores viraram assassinos
RIO - Em abril de 2005, oito homens espancaram até a morte três pessoas de uma mesma família numa favela na Baixada Fluminense. As vítimas foram retiradas de casa, tiveram as mãos amarradas e foram levadas para um matagal, onde foram mortas a tiros depois de uma longa sessão de tortura. À frente do grupo de bandidos, estava um jovem de 20 anos. Era Evaldo (nome fictício), que, em 2000, aos 15 anos, foi detido dentro de um carro roubado, no seu primeiro flagrante. Evaldo mostrou-se violento e rapidamente alcançou um dos postos mais altos na hierarquia da quadrilha. Procurado pelo Globo, ele não quis dar entrevista.
A quarta reportagem da série "Dimenor: Os adultos de hoje" mostra como um menino que entra para a vida do crime cometendo um furto pode se tornar um assassino. Trinta e oito jovens com menos de 18 anos foram processados em 2000 por homicídio, tentativa de homicídio ou latrocínio. No entanto, outros 80 que passaram pela Vara da Infância e Juventude do Rio naquele ano foram acusados de crimes de morte após a maioridade.
Muitos crimes que envolvem adolescentes chocam a sociedade pela violência empregada. Apesar disso, os homicídios cometidos por menores de 18 anos representam uma pequena parcela do total de assassinatos registrados nos últimos oito anos. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), a média tem sido de 0,6% a 0,9%.
- O grande perigo do adolescente consiste no seu próprio despreparo. Não há como negar que há meninos com grande potencial lesivo, mas, sem dúvida, eles são uma minoria. Que só não é inexpressiva pela gravidade desses atos - comenta a promotora Eliane Pereira, da Vara da Infância e Juventude do Rio.
Na terceira reportagem da série, uma pesquisa revelou que 153 crianças com menos de 12 anos tiveram processos abertos na 2ª Vara da Infância e da Juventude do Rio em 2000. Quase oito anos depois, 72 (46,7%) reincidiram antes de completar 18 anos .
Os problemas na identificação foram revelados na segunda reportagem da série : um em cada cinco adolescentes infratores, entre 12 e 18 anos, atendidos pelo estado no ano de 2000, não tem hoje seus nomes na base de dados do Detran-RJ, responsável pela emissão de carteiras de identidade.
Na primeira reportagem a série mostrou que 52,6% dos infratores atendidos pelo estado na época já morreram ou foram flagrados cometendo crimes como adultos.
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