A trama e o drama.
Odemar Leotti*
Eis a nossa herança. Pisamos barro pra amassar o pão. E o desejo de viver nunca pôde nem acontecer. Ele já nasce aprendido que é dever de todos servir o patrão. Já nasce massacrado nosso desejo de viver. Mascarado numa trama da lama. Trama que não faz a vida acontecer. Crianças do morro assassinadas de montão. Morro por morar no morro. Morro de tristeza, onde a vida não dá moleza. Bala perdida. Todas as balas são perdidas. Que tristeza achar que a bala que acerta o alvo não é perdida. Não há balas que não sejam perdição. Só na nossa mão que a bala é contravenção. É o crime do Estado que é perdoado. A bala mata criança. O Estado mata também. Mata quando privilegia filho de bacana. Mata filho na barriga da mãe, nas maternidades de pobre que é o barracão. Na escola de pobre que ensina a escravidão. Na porta da escola que faz dela mula da perdição. No emprego que não dão e quando dão é a preço de escravidão. É meu irmão. É isso ai meu irmão. Nós já nascemos nesse drama de quem não participa da trama. Essa trama que nas mãos dos que tem a grana transforma o sonho da criança em drama. Quando fica grande só é homem se for escravo ou com muita grana. Não me engana com sua trama. Vamos lá irmãos fazer nossa trama pois a dos grandes não me engana. Vamos lá meus manos virar guerreiros de fé da nossa razão. Não tem lugar pra nós na trama que nos engana onde tudo vira somente drama. Vê se não se engana mano, veja lá você. Chega de sofrer, chega de esperar a conversa do político. Agora o político tem que ser sua razão, ou da a mãe que consola o filho de barriga vazia que não consegue dormir de fome pois não mama.. Somos o público da política insana. E a política pública que sobra é só polícia arrebentando, roubando e querendo grana pra não prender o cidadão. O público tem que mandar na política da nossa trama. Para isso tem que construir sua escrita e afastar a maldita. Não vou viver da trama de quem não me ama.
Todo mundo viu o menino quando ele já estava lá. Roubando uma quirera. Ninguém quis ver quando chorava no berço como criança que não mama. Sua mamadeira estava na conta bancária do bacana, do ladrão considerado e abraçado que vive nos enfiando sua trama. Quando morria de fome no morro ninguém ligava, ninguém reclamava segurança pra ele poder viver. Agora que ele desceu o morro atrás de grana, da marca de tênis de fama, que ele viu na televisão ou no pé do playboy ou do que se vendeu pra droga. Ah! Tudo mundo reclama. Mas quando chega à loja não tem grana e ninguém nem lhe atende, e só chama a cana. Chama o segurança que fala: espalha menino! Cai fora! Se não chamo a polícia! É isso o que acontece. Ninguém vai tecer seu viver se não participar da trama. O tecido é nossa cama se vier de nossa trama. Na trama do bacana nada fica de sério, só tece buraco no cemitério. Tem muita lama. Segunda feira está chegando e é aí o nosso dia. Dia de fazer esse país enriquecer e esquecer que nós fazemos parte do trabalho e não da ceia. Que coisa feia. Mas que adianta. Ninguém se levanta! Com essa trama que ensina a escravidão, faz da escola fábrica de otário do bacana. Nas igrejas, nas cantigas de ninar. Desde pequeno a criança aprende o refrão e recitar para a escravidão. Servidão, obrigação, honestidade sem ter direito à dignidade. Ensina ele a servir, a ter dever, mas nunca ninguém divide com ele o prazer. Prazer que nunca tem e nunca terá. Prazer de Angra, de Cabo Frio, de Ipanema, da Barra da Tijuca e nunca ninguém convida ele pra curtir fim de semana em Búzios. Só vai pra lá como peão ou como puta. viram loiras, chamadas de vagabundas, como vagabundo sempre o patrão chama quem trabalha. Chamadas de vadia servem junto com nossas negras para o esporro da riqueza. Que malvadeza? Ah! Que nada, nós é que damos moleza. Aperta o cerco. Façamos a guerra, façamos nossa trama. Aí mano. Ninguém nos engana, pois a frase não mais será a sentença, como a lorota da escola. Antes de aprender do prazer aprendi o verbo dever. Agora o verbo vai se chamar libertação: da enganação, de enrolação de uma trama de bacana que nos escraviza e nos joga na lama. Por isso mano. Na nossa trama você se chama, pois vai ter nome, não de bacana, mas de quem ama. Com nossa trama ocupa um lugar nesse espaço que só mandava ladrão de casaca. Essa gente que não gosta da gente e nos enrola em sua trama. Vamos nos mancar, vamos nos aclamar. Queremos ter nossa trama e não a trama dos bacanas. Chega professor de fazer de conta que não vê a coisa indo para a lama. Esquece essa gramática que não cabe nossa língua. Ela só faz do verbo da criança repetição, para a escravidão do pensamento usado pelo bacana. Vamos irmão construir a trama! Vamos ligeiro antes da gente morrer nesse drama. A vida é boa, mas tem que ser pra todo mundo viver. Na nossa trama ninguém se engana. Chega de drama.
*Odemar Leotti é Mestre em História pela UNICAMP
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