Duzentos anos de polícia no Brasil
Entre as muitas novidades que a Corte Portuguesa trouxe para o Brasil, uma que veio para ficar foi a instituição policial. O modelo da Intendência Geral de Polícia já funcionava muito bem em Lisboa, resolvendo a infinidade de problemas que surgiam nas modernas cidades capitais, e foi rapidamente adotado no Rio de Janeiro, que vivia as dores do crescimento acelerado provocado pela vinda da Corte. Dom João fez uma escolha competente ao nomear para intendente Paulo Fernandes Viana, um magistrado português de origem brasileira, que se manteria no cargo por mais de dez anos, sendo o homem chave na administração joanina da cidade do Rio de Janeiro.
Viana teve de enfrentar a escassez de moradias, o desabastecimento de gêneros, de água, e os problemas de limpeza e iluminação da cidade. Para isso montou redes de cooperação dos mais afortunados, "convidados" a pagar pelas necessidades do Estado, e redes de exploração dos escravos, presos e obrigados a trabalhar para o Estado nas obras públicas. A insegurança produzida pela presença maciça da escravaria na cidade era transformada em benefício para o Estado, que construía estradas e fazia a manutenção das ruas, utilizando os presos trabalhando acorrentados em duplas.
Como se vê, as atribuições da polícia se aproximavam bastante de uma idéia contemporânea de prefeitura, mas os problemas de segurança também se faziam presentes. Talvez não fossem tão significativos como hoje, tanto por serem menos violentos como por ser uma sociedade mais acostumada com certas formas de violência. A polícia precisava tratar de dois problemas que atingiam diretamente o governo: o contrabando que drenava a arrecadação pública e as novas idéias liberais que desafiavam os poderes da Coroa. A abertura dos portos era uma necessidade da Coroa, mas terminava com o isolamento que caracterizava a dominação portuguesa no Brasil, trazendo benefícios mas também preocupações.
Para o porto se voltava o olho vigilante do soberano. Mas os recém-chegados portugueses também eram perturbados pela enorme presença negra na cidade. Para muitos era fator de inquietação e medo, provocando queixas sobre os perigos do Rio de Janeiro, infestado de ladrões e assassinos. Para resolver esse problema, a solução apresentada já era polícia e cadeia; quem sabe temperada por umas boas chibatadas.
A polícia joanina em formação enfrentou problemas de falta de investimento que resultaram na má qualidade de seu pessoal. Para agir nas ruas, o regente criou, em 1809, o Corpo Militar de Polícia, origem da atual polícia militar. A expectativa era utilizar pessoal selecionado do Exército, mas os militares não se interessavam em ceder bons soldados. Os corpos de polícia se formavam com o que havia disponível, muitos recrutados à força, que "retribuíam" distribuindo bordoadas pela cidade.
Não demorou muito para o intendente de Polícia começar a reclamar dos abusos e arbitrariedades cometidos por seus agentes. Este padrão tornou-se característico da polícia carioca: um recrutamento deficiente de pessoal sempre mal remunerado, que encontrava formas de compensar esses problemas através de ganhos irregulares e do uso de métodos extra-legais.
Não é fácil saber se os 200 anos são motivo para comemoração ou para lamentar que tanto tempo tenha passado e tenhamos mudado tão pouco. Mas não restam dúvidas que é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre qual polícia queremos para os próximos 200 anos.
*Marcos Luiz Bretas é professor do Departamento de História da UFRJ
Nenhum comentário:
Postar um comentário