A VIOLÊNCIA NA MARÉ - Confrontos armados, participação de policiais em ações do tráfico e descaso de autoridades refletem uma política de segurança que desconsidera a vida do morador da favela.
Na madrugada do dia 30 de maio de 2009, um grupo de traficantes da Baixa do Sapateiro iniciou a tentativa de tomar os pontos de vendas de drogas controlados por outra facção criminosa em uma comunidade vizinha, a Vila dos Pinheiros. Oito escolas e cinco creches ficaram fechadas por mais de uma semana, deixando cerca de 10 mil alunos sem aula. Desde então, moradores do conjunto de favelas da Maré vivem uma rotina de extrema violência que é muito pouco divulgada nos meios de comunicação. As autoridades, por sua vez, permanecem com uma postura que é de descaso e, diante do apoio de agentes do Estado nas ações criminosas, também de conivência.
Os confrontos armados são diários. O movimento do comércio é constantemente interrompido e há diversos relatos de casas invadidas, quedas de luz, além de um altíssimo número de mortos e feridos. Nos primeiros quinze dias de conflitos na Maré, em junho, quando a imprensa chegou a dar algum espaço para a situação vivida pelas comunidades, 19 mortes foram noticiadas. No entanto, um levantamento entre moradores aponta para mais de 50 mortes desde o início dos confrontos, há quase quatro meses. Segundo F.S.C., moradora do Morro do Timbau, as pessoas têm medo de sair de suas casas: “Passei uma semana sem poder ver meus pais, que moram na Vila do João. Minha mãe já ficou vários dias sem sair para trabalhar e às vezes tem que voltar no meio do caminho, pois os tiroteios recomeçam e ela fica exposta".
Um dos mais graves relatos aponta que policiais teriam participado da invasão à Vila dos Pinheiros. Moradores afirmam que três veículos blindados da Polícia Militar – os chamados caveirões – foram ‘alugados’ para traficantes de uma das facções envolvidas. Na Maré, esta é uma informação naturalizada. “Todo mundo aqui sabe disso. Várias pessoas viram”, afirma R.A., morador do Conjunto Esperança.
A denúncia do aluguel de caveirões chegou até as autoridades e foi noticiada por um grande jornal do Rio de Janeiro, mas não foi suficiente para iniciar um debate amplo sobre a situação de extrema violência na Maré e sobre a responsabilidade do governo. Pelo contrário assim que a notícia veio a público, a Secretaria de Segurança se apressou em desqualificá-la, em contradição evidente com falas anteriores do secretário José Mariano Beltrame, que por diversas vezes já havia ressaltado a importância de denúncias anônimas para as investigações policiais. Nem mesmo o novo comandante da Polícia Militar, Mario Sergio Duarte, que já esteve à frente do 22º Batalhão, arriscou um pronunciamento responsável.
A reação da cúpula da segurança do estado - negando os fatos antes de investigá-los - reflete a tônica deste governo descaso com os relatos dos moradores das comunidades pobres e acobertamento de ações criminosas praticadas pela corporação policial. O silêncio do governador Sérgio Cabral é, indiscutivelmente, um reflexo dessa indiferença com que os governantes tratam os bairros pobres do Rio de Janeiro, mas pode esconder também uma estratégia perversa a do “quanto pior, melhor”. Depois de meses de ausência deliberada, não seria surpresa se o Estado aparecesse na Maré vendendo como “solução” a realização de mais uma mega-operação policial – como a do Complexo do Alemão, que em 2007 levou o terror às comunidades e resultou na chacina de 19 pessoas em apenas um dia.
Em menos de quatro meses, entre maio e agosto daquele ano, foram registrados pelo menos 44 mortos e 81 feridos durante as incursões policiais no Alemão. Escolas e creches também foram fechadas, e os moradores ficaram sem poder sair de casa. Constata-se objetivamente que o efeito prático das ações policiais violentas do atual governo do Rio de Janeiro é o mesmo dos tiroteios entre traficantes o desrespeito à vida e à liberdade do povo das favelas.
No último dia 12 de julho, o jornal O Globo publicou a matéria “Covil do Tráfico”, em que a cúpula da segurança do estado, ao apontar o Alemão como reduto importante do tráfico de drogas, reconhece a completa ineficácia da ação de dois anos atrás. No entanto, as autoridades prometem repetir as mega-operações policiais, até mesmo como pré-requisito para a implantação de um modelo que vem sendo vendido como novo paradigma na política de segurança do Rio de Janeiro e que ganha contornos eleitoreiros a chamada política “de pacificação”.
Ao contrário do que é pintado no discurso oficial, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) não rompem com a lógica das políticas de segurança que vêm sendo implementadas seguidamente pelos últimos governos. São diversos os casos documentados de agressão física e de abuso de autoridade envolvendo agentes das UPPs. Além disso, com base em conceitos higienistas e de superioridade de classe, proíbe-se arbitrariamente certas formas de organização social e cultural construídas historicamente nas favelas. Ou seja, a atuação da polícia permanece estruturada em uma relação tensa de controle e confronto com a população negra e pobre, com a restrição de liberdades e a imposição de uma autoridade baseada na coerção de suas armas. De fato, as diversas formas de violência policial são consequência da secular orientação ao militarismo e à brutalidade dentro de comunidades pobres.
Nos últimos anos, o Estado vem seguidamente realizando ações policiais violentas e desastrosas na Maré. Foram muitos casos emblemáticos, mas apenas alguns poucos se tornaram públicos. Em dezembro de 2008, o pequeno Matheus Rodrigues, de oito anos, morreu na porta da casa de sua mãe quando saía de casa para comprar pão e foi atingido no rosto por um tiro de fuzil disparado por policiais. Menos de cinco meses depois, em abril deste ano, o jovem Felipe Correia, de 17 anos, conversava com amigos há cerca de dez metros da casa de sua família. Quatro policiais militares sem uniforme dispararam apenas um tiro de fuzil, que acertou a cabeça do rapaz. Os dois crimes envolvem policiais do 22º Batalhão, o mesmo que é acusado de alugar o caveirão.
Casos como esses trazem a certeza de que o caminho para o fim do sofrimento dos moradores não pode, sob nenhuma hipótese, passar por operações policiais violentas. No último domingo, dia 20, um ato contra a violência reuniu 600 pessoas e percorreu as comunidades da Maré afetadas diretamente com os confrontos dos últimos meses. A manifestação, não à toa, foi realizada no dia em que o menino Matheus e o jovem Felipe fariam aniversário.
As organizações e indivíduos abaixo-assinados se somam em solidariedade ao povo da Maré e reafirmam, categoricamente, que não aceitam mais uma política de segurança que encare a favela como território inimigo e que obedeça a uma lógica de exclusão, em que se governa apenas para alguns e se reserva a outros a violência da repressão, do controle e, frequentemente, do extermínio.
ANF - AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DAS FAVELAS
APAFUNK
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CENTRO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DE PETRÓPOLIS - CDDH
COJIRA - COMISSÃO DE JORNALISTAS PELA - IGUALDADE RACIAL
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DDH - DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS
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JUBILEU SUL BRASIL
JUSTIÇA GLOBAL
INTERSINDICAL
MORENA-CB - MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO NACIONALISTA CÍRCULOS BOLIVARIANOS
MANDATO MARCELO FREIXO
MST - MOVIMENTOS DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
NIAC - NÚCLEO INTERDISCIPLINAR DE AÇÕES PARA CIDADANIA - UFRJ
NPC - NÚCLEO PIRATININGA DE COMUNICAÇÃO
PACS - INSTITUTO POLÍTICAS ALTERNATIVAS PARA O CONE SUL
PROJETO LEGAL
PLATAFORMA DHESCA BRASIL
PROJETO CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE E ATRAVÉS DO DOMÍNIO AUDIOVISUAL
REDE DE COMUNIDADES E MOVIMENTOS CONTRA A VIOLÊNCIA
REVISTA VÍRUS PLANETÁRIO
VISÃO DA FAVELA
BRASIL "
Assina o manifesto:
Abelardo Lima
Adriana Facina - Antropóloga
Adriana dos Santos Fernandes - Cientista Social e professora, moradora de Santa Teresa
Agnaldo Fernandes - Técnico-administrativo em Educação da UFRJ
Alessandra Maletzki Ramasine
Alexandre Campbell Ferreira - Psicólogo - Niterói
Aline Barbosa - Psicóloga
Ana Claudia Chaves Mello –
Ana Claudia Tavares - Centro de Assessoria Popular Mariana Criola
André Fernandes - Secretário executivo da ANF - Agência de Notícias das Favelas
Andrei Bastos - Jornalista
Angela Rabello Maciel de Barros Tamberlini - Educadora, UFF
Angelica Alves Pereira Da Silva - Professora
Angelica Basthi - Jornalista - COJIRA – RIO
Arneide Andrade - ICORES - Instituto Coração de Estudante/ PRECE - Programa de Educação em Células Cooperativas
Arthur Moreira - Coletivo Avante! e do PSOL/ES
Bárbara Ferreira Arena - Editora -- São Paulo
Basse Silber
Breno Pimentel Câmara - Coordenador adjunto do Observatório de Conflitos Urbanos na Cidade do Rio de Janeiro (UFRJ)
Bruno Deusdará - Professor-UERJ
Caio Lopes Amorim - Editor da Revista Vírus Planetário - Coletivo Nacional Levante
Carlos Eduardo Cunha Martins Silva - Advogado
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Carlos Douglas Martins Pinheiro Filho - Editor da Revista Ensaios
Carlos Pronzato - Cineasta/documentarista - Salvador/Bahia
Carolina Machado Coelho
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Claudia Kras - Estudante de História UFRJ
Claudio Rezende Ribeiro - Professor universitário
Daniel Bezerra de Oliveira - Advogado, DDH
Daniel Nunes Ferraz
Dodora Mota - SEPE/RJ
Edson Dias Santos
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Elisa Monteiro - Jornalista, militante do Partido Socialismo e Liberdade
Elzira Vilela - Coletivo Contra Tortura - São Paulo - Médica - Assessora de Saúde MST-São Paulo
Érica Calil Nogueira - Estudante
Fabio Simas - Assistente Social/Organização de Direitos Humanos Projeto Legal
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Fernanda Chaves - Jornalista, RJ
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Francisco Marcelo da Silva - Pesquisador do Observatório de Favelas RJ e morador da Vila do João - Maré
Francisco Valdean
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Givanildo Manoel da Silva - Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente - SP
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Judy Caldas - Abogada de derechos humanos
Juliana Farias - Socióloga - NAI / UERJ
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Marcelo Badaró Mattos - Professor de História - UFF
Marcelo Braga Edmundo - Membro da Direção Nacional da Central de Movimentos Populares
Marco Antonio Perruso - Prof. Adjunto Ciências Sociais UFRuralRJ
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Mariana Vieira - Estudante, Rio de janeiro/RJ
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Michel Robim - Coordenador e membro
do comitê do Rio Abierto Iternacional
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Moctezuma Pinto - Mov. Fé e Política Litoral / Macaé RJ -PT / Macaé RJ
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Paula Máiran - Jornalista - Assessoria de Comunicação do Mandato Marcelo Freixo (PSOL) - ALERJ
Paula Kapp
Paulo da |Vida Athos – Poeta e ativista social
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Rafaela Selem Moreira - Advogada -Mestranda na PUC-Rio - Moradora do Flamengo
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Ricardo Gilberto Lyrio Teixeira - Mestrando em Historia (UFF)
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Sandra Quintela - Economista, PACS
Samuel Mello Araujo Júnior - Professor universitário – UFRJ
Sergio Kalili - Jornalista - Justiça Global
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Simone da Silva Ribeiro Gomes
Tania Pacheco - Militante do GT Combate ao Racismo Ambiental e pesquisadora - Rio de Janeiro
Tania Kolker - Psicanalista, membro do Grupo Tortura Nunca Mais do RJ
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Thiago Vieira de Sena Silva - Estudante de Artes Plásticas (UFRJ), Educador, Morador da Maré
Tina Montenegro - Historiadora da arte/Rio de Janeiro
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Tomás Fernandes Nazareth Prisco Paraiso Ramos - Assessor Jurídico do Mandato Marcelo Freixo
Valquiria Marques Azevedo dos Santos
Vânia Bento
Verônica T. de Freitas - Estudante de Direito, Militante do DPQ
Vladimir Santafé - Professor de Filosofia, GEP (Grupo Educação Popular)
Vivian Fraga - Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro
Viviane Nascimento – Estudante
Para assinar o manifesto escreva para manifestomare@gmail.com
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