terça-feira, 16 de março de 2010

Israel: "um governo de bêbados"


NOVA YORK - Colunista do "The New York Times", o jornalista Thomas Friedman, autor de "Hot, flat and crowded" ("Quente, plano e lotado", que chega no fim do mês às livrarias), é um dos mais influentes comentaristas de política internacional do mundo. Num momento de alta tensão nas relações entre EUA e Israel após o anúncio de novos assentamentos judaicos na Cisjordânia, Friedman não hesita em classificar as autoridades israelenses como "um governo de bêbados".

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu esteve sob forte pressão após o anúncio de mais casas em Jerusalém Oriental. E isto no momento em que o vice-presidente Joe Biden estava visitando Israel.

THOMAS FRIEDMAN: Foi de fato desastroso. Este anúncio só nos faz perceber como o governo israelense está cego diante da realidade dos conflitos no Oriente Médio. Biden deveria simplesmente ter tomado o avião de volta para casa, deixando um bilhete: "Amigos não deixam amigos dirigirem quando estão bêbados. E vocês devem estar bêbados. Voltamos a conversar quando vocês retomarem o contato com a realidade".

O senhor acha que isto foi um teste para Obama, para medir sua reação e ver quão duro ele pode ser com Israel?

FRIEDMAN: Não acho que houve esta inteligência. Houve uma trapalhada, uma bagunça. E isto nos faz ver como eles estão divididos e perdidos. Eu não acho que o anúncio foi deliberado. Eles não enxergam o que está acontecendo no mundo em volta. Pensam apenas nas disputas internas. Eles realmente não pensam mais nos EUA. Ou nos interesses americanos.

Então foi apenas uma trapalhada?

FRIEDMAN: Foi realmente um desastre. Por nove meses o enviado especial George Mitchell tentou construir um caminho para o diálogo entre israelenses e palestinos e ele se dispôs a fazer a ponte para estabelecer conversações de paz. Pois num fim de semana o governo israelense praticamente pôs tudo a perder. Lamentável.

Em viagem ao Oriente Médio, na segunda-feira o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com o premier Benjamin Netanyahu. Lula tem sido, inclusive, cogitado para servir como novo mediador no Oriente Médio. O senhor acredita que ele tem condições de fazer este trabalho?

FRIEDMAN: Não. Como todo respeito ao presidente Lula, ele não vai querer se meter no meio de uma confusão tão grande. (risos)

Lula poderia fazer alguma coisa, ajudar na retomada das negociações de paz?

FRIEDMAN: Oh, não. Esta não é uma tarefa para ele. O presidente Lula precisa se concentrar no Brasil. Este não é um trabalho para ele, definitivamente.

E o senhor vê alguma maneira de trazer de volta as conversações de paz?

FRIEDMAN: Neste momento não tenho certeza se isto será possível. As conversas de paz entre israelenses e palestinos fazem parte de um longo processo de negociação entre as forças inimigas na região. Não vejo como alguém inteiramente estranho ao conflito poderia ajudar. A geopolítica no Oriente Médio é muito complicada porque lida com forças muito diversas. Ninguém vai começar a conversar do zero. Todos gostariam que o processo que vinha sendo longamente negociado fosse adiante. Este foi o objetivo da visita do vice-presidente Joe Biden. Agora vamos ver como o governo Obama vai reagir.

O momento era oportuno para retomar negociações também porque o Hamas suspendeu ataques a partir da Faixa de Gaza...

FRIEDMAN: Sem dúvida. O objetivo era também trazer os palestinos para a mesa de negociações a fim de isolar o Irã e tirar a Palestina do baralho de cartas iraniano.

O Brasil tem sido contrário a uma nova rodada de sanções contra o Irã devido ao seu programa nuclear. O senhor acredita que novas restrições seriam efetivas?

FRIEDMAN: Eu acho que sim. Sanções econômicas impostas pelas Nações Unidas, com grande apoio da comunidade internacional, tendo como alvo a Guarda Revolucionária, poderiam ser eficientes sim. Eu não sei se seriam decisivas, mas acho que certamente teriam um grande efeito sobre o regime iraniano.

O senhor acha que as sanções poderiam desestabilizar o regime de Teerã?

FRIEDMAN: Não sei. Mas acho que teriam efeito sobre os membros da Guarda Revolucionária. Estamos conversando sobre sanções bem específicas, que visem a Guarda Revolucionária.

Mas se houver restrições à exportação de derivados do petróleo para o Irã, as sanções teriam certamente efeito sobre a classe média.

FRIEDMAN: Sim, haverá alguma dor. Mas é difícil prever se o governo iraniano vai mudar sua política nuclear por conta dessas restrições para importação. Se o regime tiver cometido violações ao acordo de não-proliferação de armas nucleares, merece uma resposta da ONU, teremos que reagir quanto a isto.


Fonte O Globo Online

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