sábado, 31 de maio de 2008

FAMA DE MATADORES EM TERRA DE NINGUÉM


Uma delegacia de R$ 50 mil

Delegado preso desembolsou quantia para pagar gastos de campanha de ex-chefe de Polícia.

Rio - O esquema de loteamento de delegacias que, segundo o Ministério Público Federal, foi implantado por Álvaro Lins — recebendo dos indicados às unidades quantias mensais de até R$ 25 mil — ficou evidente em um episódio especial, classificado na denúncia como “a compra da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente (DPMA) por R$ 50 mil”. A quantia foi desembolsada pelo delegado Luiz Carlos dos Santos, o Luizinho, um dos presos quinta-feira, que pagava recibos de campanha a deputado estadual do ex-chefe de Polícia Civil.

As investigações da Polícia Federal se baseiam em gravações telefônicas e em uma agenda apreendida na casa de outro integrante do esquema já preso: o assessor de Lins, Mário Franklin Mustrange, o Marinho. Nela, há uma lista de despesas de ‘caixa 2’ da campanha, incluindo mais de R$ 147 mil gastos na dobradinha eleitoral entre Lins e Leonardo Picciani, filho de Jorge Picciani, presidente da Alerj.


ARTICULAÇÃO

O nome de Luizinho aparece pagando R$ 52.333 em recibos. E, assim, ao longo de todo o segundo semestre de 2006, a articulação da quadrilha fica voltada para derrubar o então delegado da DPMA, Rafael Menezes.

Naquele período, o então chefe de Polícia Civil, Ricardo Hallak, também preso, conversa com Lins e diz que está tirando viaturas e funcionários para “f. o pessoal da Meio Ambiente”. O deputado responde com ironia: “Deixa eles pedalando de bicicleta. Já fiz muito isso. Não quer participar, tudo bem. Mas fica sem nada”.

O nome de Luizinho, no entanto, acaba vetado pela então chefe de gabinete da Secretaria de Segurança, Elizabeth Cayres. Num diálogo, Marinho e Fabio Leão, o Fabinho, reclamam do veto, chamam Hallak de “banana” e indicam que a ordem para a mudança era de Garotinho. De nada adianta.

A partir disso, os integrantes da organização criminosa articulam o nome de outro delegado, Ruchester Marreiros. “Acho melhor o Ruchester, até por causa de o Luiz Carlos não se sentir desprestigiado, tipo assim: ‘Pô, Dr. Luiz Carlos, está indo o Ruchester, mas, p., uma comissãozinha tua também e tal”, diz Fabinho. A mudança no comando da DPMA acontece, mas só ocorreu em 31 de outubro. Quem assumiu foi Sânia Burlandi.


FUNCIONÁRIO DE NADER LIVRE

Os tentáculos da quadrilha se expandiam por todo o estado. Episódio ocorrido em 4 de outubro de 2006 mostra isso. Naquele dia, na cidade de Casimiro de Abreu, um funcionário do deputado estadual José Nader foi preso por policiais do Batalhão Florestal e autuado em flagrante pelo delegado Jardiel Melo. A acusação era de invadir e devastar uma área de proteção ambiental com um trator para plantar palmito.

Segundo investigações, Marinho entrou em ação, pedindo que outro delegado, Daniel Goulart, intercedesse. Após alguns telefonemas, Goulart chamou Marinho e avisou o que foi feito a favor de José Nader, chamado na conversa de “conselheiro”: “Tá resolvido. Ele não vai apreender nada. Já tá liberando o motorista do trator”.


Ordem de buscas foi ignorada por Garotinho

Outro polêmico episódio envolvendo a DPMA aconteceu entre 2003 e 2004. Na época, logo após a inspeção à empresa Tribel (Tratamento de Resíduos Industriais de Belford Roxo S.A.) — que funciona dentro da Bayer S.A. —, a equipe do delegado Marco Aurélio Castro perdeu o comando da unidade. Sérgio Mazzillo, advogado de Garotinho, alega que a solicitação da mudança havia sido feita pela Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), com base em supostas arbitrariedades cometidas pelos policiais.

Mas, ao contrário do que diz a defesa do ex-governador, além de o documento da Firjan não fazer qualquer pedido de afastamento da equipe da DPMA, a ação dentro do Parque Industrial da Bayer não foi feita de forma arbitrária. Os agentes cumpriam mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz Luiz Felipe Negrão, da 2ª Vara de Belford Roxo, em 13 de janeiro de 2004.

“Busca e apreensão domiciliar nas dependências do Parque Industrial da Bayer, ou de qualquer uma das empresas que ali presta serviços (...), podendo apreender inclusive documentos contidos em arquivos de papel bem como computadores, como também recolher material possivelmente contaminado”, decreta o juiz.


MPF: 'Fama notória de matadores'

A decisão tomada pelos 40 deputados — apenas quatro a mais do que o necessário — que libertou o delegado Álvaro Lins contraria frontalmente o consenso que havia entre procuradores do Ministério Público Federal e agentes da PF: o de que os policiais civis integrantes da quadrilha, em liberdade, ameaçam a vida de outras pessoas. O relato que consta no pedido de prisão preventiva encaminhado ao Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região não deixa dúvidas quanto à periculosidade do grupo. “Os referidos acusados possuem fama notória de matadores no âmbito da Polícia Civil, conforme revelado por testemunhas arroladas pelo parquet (Ministério Público Federal).”

Uma das vítimas que o relatório aponta é o PM Jorsan Machado de Oliveira, assassinado em fevereiro de 2007, em Jacarepaguá. Ele teria procurado a Polícia Federal para revelar a ligação dos ‘inhos’ com o contraventor Rogério Andrade na exploração dos caça-níqueis. O caso do delegado Alexandre Neto, que sobreviveu a um atentado, também é citado como exemplo do poderio bélico dos ‘inhos’: “Após apresentar denúncias contra Álvaro Lins e seu grupo, foi alvejado com cinco tiros em frente à sua residência, confirmando o teor das inúmeras conversas telefônicas que afirmavam que o mesmo receberia uma ‘trava’”.

Na mesma página do pedido encaminhado ao TRF, o MPF ainda destaca a capacidade de articulação que o grupo de policiais conhecido como ‘inhos’ demonstra mesmo dentro da prisão. “O fato de encontrarem-se atualmente presos não afasta o perigo que sua liberdade pode resultar à ordem pública. Isto porque há elementos que evidenciam que eles, mesmo dentro da cadeia, participavam de todas as ações da organização, o que levou o juízo da 4ª Vara Federal a determinar suas transferências para o Presídio Federal de Campo Grande (MS), em razão das facilidades de que gozavam na carceragem da Polinter, no Rio de Janeiro.”

Mais à frente, outro trecho comprova a conivência e complacência das autoridades da Polícia Civil na época. O inspetor Alcides Campos Sodré Ferreira é apontado como o interlocutor entre o então chefe de Polícia Civil, Ricardo Hallak, e os delegados intitulados “jóqueis”, isto é, aqueles que pagavam propinas para se perpetuar na chefia de delegacias distritais ou especializadas. Alcides chega a ser preso pela PF, mas após a soltura volta a trabalhar normalmente em setores administrativos.



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