segunda-feira, 26 de maio de 2008

TAMBORES PARA OXÓSSI




TAMBORES PARA OXÓSSI




Primeira festa do ano no Terreiro do Gantois saúda o orixá da caça, provedor e protetor da família


O rufar dos tambores anuncia a chegada da procissão. O grupo, que antes participara de uma missa na Igreja de Santana, Rio Vermelho, entra pela porta da frente do Terreiro de Gantois, na Federação, trazendo como oferenda flores e a imagem sacra de São Jorge. Mas, na primeira festa do ano no Gantois, é dia de saudar Oxóssi, patrono do candomblé na Bahia, provedor e protetor da família. O ritmo dos atabaques muda, alguns filhos e filhas-de-santo incorporam o orixá, dançam no meio do salão e recebem saudações dos adeptos.

A festa, entretanto, está apenas começando. Após o ritual, um grande café da manhã, servido quase na hora do almoço, é símbolo de confraternização. Em seguida, cada filho e filha-de-santo realiza as obrigações de Oxóssi: prepara oferendas, limpa a casa, produz comidas de axé. Oxóssi é também o orixá da caça, por isso é considerado pelos humanos um grande herói provedor, que leva o alimento diário às famílias. Para saudar a virtude do deus, um grande churrasco, que representa o alimento de Oxóssi.

À noite, o patrono do candomblé apresenta-se caracterizado. É o grande ápice dos festejos, que duram até o final da semana. Depois, inicia-se o calendário de festas, que segue até 2 de dezembro. O dia de Oxóssi é esperado o ano inteiro pelos adeptos da religião de matriz africana, afinal é quando reinicia-se o ciclo de atividades do terreiro. Apesar de acontecer em paralelo às homenagens a São Jorge, louvar o orixá não envolve sincretismo. “A missa católica é uma tradição dos antigos, que não rejeitamos. Mas aqui dentro é algo completamente diferente. É puro candomblé”, explica a iadagan (terceira na hierarquia) do Gantois, Neli Cristina de Oxóssi.

O puro candomblé, ao mesmo tempo que encanta, assusta. Pela primeira vez em um terreiro, a paulista Larissa Miranda estremeceu ao ver as incorporações e os transes constantes durante as danças em homenagem a Oxóssi. “Estou me sentindo nervosa, vou embora agora”, disse às pressas. Mas o ritual nada tem de agressivo. De olhos fechados, com faixas de tecido amarradas ou no peito ou nos ombros – para diferenciar os orixás masculinos e femininos – os incorporados eram guiados pela batucada e sequer esbarravam uns nos outros.

O salão cheio de orixás incorporados deixou a consultora de saúde, Iara Alves, 60 anos, orgulhosa. Ela veio do Rio de Janeiro apenas para homenagear Oxóssi, pela quinta vez. “Oxóssi é rei, é pai. Peço muita bênção, axé, saúde e paz. Hoje (ontem) é o dia ideal para se pedir tudo que se tem vontade”, anunciou. Ela é filha de mãe Edelzuita de Lourdes, 74, baiana, iniciada no Terreiro de Gantois, que hoje luta pela disseminação da cultura afro-brasileira. “Consegui que 30 de setembro fosse o Dia da Matriz Africana em São Paulo e pretendo estender por todo o país”, salienta.




HISTÓRIA


O TERREIRO de Gantois foi fundado em 1849 por africanos. A grande dirigente, Maria Júlia de Conceição Nazaré, comprou o terreno de um escravista belga e deu início aos cultos. Após sua morte, houve luto durante anos, tradicional da religião. A próxima a assumir o terreiro foi mãe Pulquéria de Oxóssi, que destacava-se pela personalidade forte. Houve mais um longo luto pela sua morte e, então, em 1912, mãe Menininha assumiu o terreiro e se tornou a ialorixá mais famosa do país. Com a sua morte, o local permaneceu fechado durante anos. Em 2002, numa festa de Oxóssi, os orixás escolheram mãe Carmen para dirigir o terreiro. Ontem, a ialorixá completou seis anos à frente do Gantois.

Maíra Portela


CORREIO DA BAHIA, 23 de maio de 2008.

Um comentário:

Anônimo disse...

O Gantois é sem dúvida um dos terreiros mais importantes da história do Candomblé. Infelizmente, ainda cultiva traços do sincretismo, desnecessário nos dias de hoje e já abolido por muitos terreiros, inclusive casas tradicionais como o Ilê Axé Opô Afonjá.
No entanto, quando a questão é o culto ao Orixá, é um exemplo e um orgulho para todos que tem o Candomblé como religião.
Fica a nossa esperança de ver, um dia, os traços do sincretismo definitivamente abolido desta casa tão respeitada e amada por todos nós candomblecistas.

Diogo Lima.

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