Mamãe,
Quando a noite chegou trazia um vento frio e cortante.
Por volta das dezenove horas já a noite se fechava, apresentando um céu despido
de estrelas. No ar, uma umidade sentida em cada plano tocável embalsamava o
material e imaterial de cada homem e de cada sentimento.
Noite enunciável...
Existem sensações premonitórias e inexplicáveis, que têm
a qualidade de preparar o ser humano para fatos e circunstâncias inesperados e,
normalmente, insuportáveis.
Houve premonição coletiva, que outra forma definirei?, a
partir das dezenove horas até às vinte e uma horas, quando a tensão chegou ao
auge e se corporificou, bizarra e inumanamente, numa explosão de ódios, medos e
fúria, numa canção de sangue.
Agora os ponteiros do relógio que carrego acusam que
quarenta e oito minutos se escoaram, desde as vinte e uma horas, e, no silêncio
anormal que envolve o prédio (um mundo à parte do mundo), procuro pensar que o
amor existe, e existe a paz, a felicidade, a ternura e a compreensão.
(Seria tão fácil para o homem viver em um mundo de amor.
As horas registrariam na mente momentos de felicidade, a felicidade geraria
sorrisos, os sorrisos constituiriam a compreensão que engrandeceria o diálogo
da Vida que existe em nós).
Estou um pouco cinzento devido a certos acontecimentos que
se desenvolveram, envolvendo homens que aqui se encontram. Por mais que o tempo
tenha passado, por mais que meus olhos tenham testemunhado fatos semelhantes,
para mim será sempre uma novidade que encerrará uma dor e uma decepção.
Meu conforto é saber que existem pessoas assim como a
senhora e outros que sei existirem, de alma assim, igual.
Amanhã espero que o céu amanheça muito azul; que meus
pombos não deixem de revoar em bando; que as flores floresçam com maior
intensidade de cor e perfume; que os acordos de paz superem as guerras; que o
sol elimine as sombras; que a criança abandonada encontre um novo lar; que os
hospitais fiquem mais vazios; que a delinquência feneça; que o amor entre os
homens se propague sem distinção de raça, credo ou partido... e que, sobretudo,
a existência dos C.... F... não seja apenas um sonho meu.
Mamãe, aproveito e envio esta poesia de Giuseppe
Ghiaroni, “Dia das Mães”, que ofereço à senhora, com meu muito, mas muito
carinho mesmo.
Beijos para todos.
Para a senhora, um beijo especial, com meu carinho e
minha saudade.
Do seu filho,
Eu.
Rio de Janeiro, 8 de novembro de 1977.
Foto: Galeria do Complexo Penitenciário da Frei Caneca,
implodido.
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