Sábado, Outubro 21, 2006
Por Paulo da Vida Athos
Se em razão das mortes de nossas crianças a população saísse às ruas, nua de roupas e de medos, fazendo com que governantes e legisladores buscassem abrigo e tentassem se proteger de uma sociedade insurreta, eu entenderia como um ato de lucidez que deveria ser compreendido e acatado de forma imediata.
Loucura para mim é a insanidade social que se traduz em omissão; é o oportunismo de nossa mídia covarde que apenas divulga essas mortes para vender seu peixe, dando mais espaço para os dossiês escroques do que para cobrar um basta a esse morticínio injusto e tão injustificável quanto nosso silêncio conivente e covarde.
Karine dos Santos Silva, uma menina de 12 anos, está internada desde ontem, 20/10/2006, no Hospital Carlos Chagas, por ter sido atingida por uma bala de fuzil que atravessou seu lado direito e saiu em suas costas. Karine, que levava ao colo a prima de um ano, caiu na Rua da Lama na Favela de Acari por volta das 12h54m. dessa sexta-feira.
Mas ela não caiu na Rua da Lama sozinha. Caiu porque sempre esteve sozinha. Caiu e levou todos nós.
Sim, senhoras e senhores, somos partícipes dessa barbárie sem fim e estamos com lama na cara.
Uma sociedade mais séria já teria colocado um fim nessa prática criminosa de invasões em nossos guetos por nossa despreparada polícia - que ainda não se libertou do bafio de fera com que se impregnou durante as práticas aprendidas em nossos governos antidemocráticos.
Levar fuzis e carros blindados – os caveirões – para invadir nossos guetos é que é insanidade. Não importa de onde saiu a bala. Importa tão pouco, aliás, que a autoridade policial da 39.ª DP afirmou que “Não teve perícia porque não pedi”. Certo, doutor, perícia para quê? Todo mundo é culpado: traficantes, policiais, todos nós no mesmo saco.
Se a polícia não age com inteligência – e falo aqui no termo técnico – evidentemente que essas mortes continuarão a acontecer. É preciso que se use estratégia, inteligência, a mesma que colocou os mais famosos traficantes do Rio de Janeiro nas prisões: sem tiros e muitas dessas prisões fora dos limites do Estado e, em uma ou outra ocasião, até fora das fronteiras brasileiras (quando se criou até um incidente diplomático).
Segurança Pública no Rio de Janeiro é ficção. Essa foi a sexta criança vitimada desde setembro. Onde não há garantia não há direitos e onde não há direitos garantidos grassa a violência e a impunidade. Mas se há esse desgoverno na polícia fluminense, é em razão do desgoverno em que sempre vivemos.
Excetuando-se o período governado por Leonel Brizola quando tais práticas eram proibidas (o que não se podia fazer na transparência da Avenida Vieira Souto, não era permitido nos sombrios desvãos das favelas – e por isso foi tão criticado à época), essas mortes prematuras de nossas crianças e de inocentes são freqüentadoras de todos os outros governos.
A naturalidade com que a sociedade está tratando essas mortes dá asco. O que me enoja é ter a certeza de que se tais mortes estivessem acontecendo na da zona sul do Rio (o que não desejo em nenhuma hipótese vez que crianças para mim são isso tudo mesmo: crianças), logo logo teríamos a classe média nas ruas tangendo movimentos sociais, e a mídia, sem pudor e prevendo seus lucros, expelindo seu fel contra essa política de cadáveres que foi estabelecida.
Certamente que enquanto as “invasões” continuarem as mortes continuarão. E é justamente isso que tem que ser mudado. A política irresponsável de invasão deve ser substituída imediatamente por uma política de ocupação pelo Estado. Ocupação com saúde, escola, saneamento básico e, claro, segurança. O mínimo que do estado se espera é que ele não seja o assassino, que ele não seja o bandido, e é justamente esse o papel que assumiu em nossas favelas.
Ou alguém acha que um homem que invade uma casa, arranca, seminus, da cama, o pai e a mãe de uma criança, no meio da madrugada, revira seus móveis e gavetas, esculhamba tudo e ainda xinga seus pais, trabalhadores, depois vai embora sem nem ao menos pedir desculpas, é olhado como o que por aquela criança? Para piorar no outro dia o traficante passa, lamenta o que policiais fizeram naquela casa, de tardinha troca tiros com aqueles cara que ridicularizaram a vida do moleque, e coisa e tal, sem sectarismo, respondam: - para a criança: quem é o bandido?
Provavelmente um ou outro imbecil de plantão vá-me “ofender” com o bordão de “defensor dos direitos humanos” e intitulando-se a si próprio de “defensor dos humanos direitos”, nesse jogo de palavras tão sem propósito quanto revelador de ignorância. Defender os direitos humanos é defender o Estado Democrático de Direito, sem o qual não há democracia. Bem, claro que há os saudosistas. Mas esses podem ir de pronto, com a licença daqueles que me lêem, à merda. Não sinto saudades de ditadura.
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