sábado, 2 de janeiro de 2010

"Quando vi rasgarem a Constituição...": Juiz Livingsthon José Machado



Afastado desde 2005, quando determinou a soltura de 59 presos que cumpriam pena em delegacias superlotadas na comarca de Contagem/MG, o juiz Livingsthon José Machado resolveu abandonar a magistratura. O juiz diz que foi punido sem direito de defesa. Em abril último, recusou a remoção compulsória para uma vara cível. O TJ/MG reúne-se hoje para decidir sua aposentadoria compulsória. Para quem não se lembra, no final de 2005, vendo a caótica (falta de) atenção que o Estado de MG dedicava a seus detentos, o magistrado achou por bem soltar vários deles que estavam sob sua responsabilidade - cuidando, todavia, para que os perigosos ficassem encarcerados.


Entrevista


Juiz de Contagem/MG, que em 2005 decidiu liberar dezenas de presos devido a péssima situação carcerária, decide abandonar a magistratura


O jornal Folha de S.Paulo de hoje traz entrevista com o juiz mineiro Livingsthon José Machado, da vara de execuções criminais de Contagem/MG, que no final de 2005, vendo a caótica situação carcerária que o Estado de MG dedicava a seus detentos, decidiu soltar vários deles que estavam sob sua responsabilidade.


Na ocasião, o desembargador Paulo Cezar Dias, da 3ª Câmara Criminal do TJ/MG, concedeu liminar determinando a recaptura de presos soltos. Além disso, a Corte mineira autorizou a instalação de um processo administrativo e determinou o afastamento imediato de Livingsthon.


Anos se passaram e no mês passado foi determinada a remoção compulsória do juiz para uma vara cível, que recusou-se a assumir a nova função e resolveu abandonar a magistratura.


Hoje, o TJ/MG reúne-se para decidir sua aposentadoria compulsória.


Abaixo, veja a íntegra da entrevista concedida pelo Livingsthon José Machado ao matutino paulista.


Juiz que ordenou soltura de presos em MG resolve largar a carreira

TJ decide hoje aposentadoria compulsória de Livingsthon Machado, acusado de desrespeitar decisão superior em 2005; ele diz que não teve direito de defesa

Afastado desde 2005, quando determinou a soltura de 59 presos que cumpriam pena ilegalmente em delegacias superlotadas na comarca de Contagem (MG), o juiz Livingsthon José Machado, 46, resolveu abandonar a magistratura.

O caso chamou a atenção para a situação caótica do sistema carcerário e desafiou o discurso do governador Aécio Neves (PSDB) de que a segurança pública era uma prioridade.

O juiz diz que foi punido sem direito de defesa. Em abril último, recusou a remoção compulsória para uma vara cível. O Tribunal de Justiça de Minas reúne-se hoje para decidir sua aposentadoria compulsória.

Leia, a seguir, trechos da entrevista de Machado, que deve publicar no segundo semestre o livro "A Justiça por Dentro: Abrindo a Caixa-Preta".

FOLHA - Qual era a situação carcerária quando o sr. assumiu a Vara de Execuções Criminais em Contagem?

LIVINGSTHON JOSÉ MACHADO - À época [2005], havia seis unidades prisionais [em delegacias] e uma prisão de segurança máxima. As seis delegacias tinham presídios em situação irregular.

Num distrito, em razão do excesso de presos, o delegado pôs uma grade no corredor, que virou uma cela com 28 presos.

FOLHA - Por que o sr. determinou a primeira soltura de presos?

MACHADO - Naquele distrito, 16 presos cumpriam pena ilegalmente. Ordenei a transferência deles depois que o Ministério Público pediu a interdição do presídio. Como foi vencido o prazo e não houve a transferência, expedi 16 alvarás de soltura.

O Estado, através da Procuradoria, ajuizou um mandado de segurança, dizendo que a decisão contrariava o interesse público. O desembargador Paulo César Dias deu a liminar e suspendeu a ordem de soltura.

Duas semanas depois, a situação em outro distrito era caótica. Em quatro celas, cada uma com capacidade para 4 presos, havia 148, dos quais 39 esperavam transferência para a penitenciária havia quatro anos. Também expedi mandado de soltura para os 39. Novo mandado de segurança foi impetrado e nova liminar foi dada.

FOLHA - Ficou caracterizado que houve desobediência sua?

MACHADO - A alegação foi que eu desobedeci reiteradamente a decisão do desembargador. Não houve isso. No dia 22 de novembro de 2005, um juiz corregedor me avisou que eu seria afastado no dia seguinte.

Fui afastado sem possibilidade de defesa. Só fui intimado para responder a esse processo em março do ano seguinte. Em setembro de 2007, a corte decidiu o meu afastamento. Apesar de a lei dizer que juiz só pode ser afastado por decisão de dois terços, esse quórum não foi alcançado. Só um desembargador examinou as provas. Votou pela minha absolvição.

FOLHA - Como o Ministério Público atuou no caso?

MACHADO - Nomeou uma comissão de dez promotores para apurar possíveis crimes que eu teria praticado. Quando foi assassinado um promotor em Belo Horizonte, a Procuradoria designou três promotores.

FOLHA - Qual foi a reação dos juízes de primeiro grau?

MACHADO - A associação dos magistrados fez uma nota depois do meu afastamento, dizendo que era inadmissível aquela ingerência. Houve solidariedade de juízes de outros países. Independentemente de chamar a atenção ou não, eu faria o que fiz. No país há um descaso com a população carcerária. O que fiz foi cumprir o dispositivo constitucional de que a prisão ilegal deve ser relaxada.

FOLHA - Como o sr. recorreu das decisões?

MACHADO - Assim que o tribunal decidiu me afastar, recorri em mandado de segurança aqui no tribunal. Foi denegado.

Contra essa decisão, impetrei um recurso ordinário que tramita no Superior Tribunal de Justiça. Publicada a decisão do tribunal daqui, entrei com recurso no Conselho Nacional de Justiça em 10 de outubro de 2007. Ficou um ano e meio sem o então corregedor despachar.

Foi distribuído ao relator Paulo Lobo, que, após alguns meses, disse que não conhecia da revisão [não seria o caso de julgar], porque eu já havia ajuizado recurso ordinário no STJ.

Eram coisas diferentes. No CNJ, alego que não houve desobediência. No STJ, contesto a decisão do tribunal. Contra essa denegação do CNJ, há um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, cujo relator é o ministro Menezes Direito, que indeferiu a liminar. Agora, o tribunal em Minas abriu processo para minha aposentadoria compulsória.

FOLHA - Por que o sr. não aceitou a remoção para uma vara cível?

MACHADO - Há recursos a serem decididos. Se eu assumisse, estaria aceitando a punição.

FOLHA - O governo do Estado alega que acelerou a construção e a melhoria de presídios. É verdade?

MACHADO - Aqui, em Contagem, as unidades prisionais deixaram de existir em 2007.

Hoje, só existe a penitenciária.

De certa forma, foi um dos efeitos da ação. Não tem mais preso condenado em delegacia aguardando vaga na penitenciária.

Foi criado um centro de internação provisória. Mas, num distrito investigado pela CPI do Sistema Carcerário, viram que a situação continuava grave.

FOLHA - Quando o sr. decidiu que iria deixar a magistratura?

MACHADO - Quando vi a Constituição sendo rasgada.


Fonte: Itacaré News



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