GRAMPOS MONITORAM 17 MIL PESSOAS NO RIO
Mas, de acordo com o Tribunal de Justiça, a polícia só pode interceptar ligações de 3.825 telefones no estado
Antonio Werneck
Detetives particulares, empresas de investigações e agentes secretos estariam monitorando hoje no Rio cerca de 17 mil pessoas, inclusive com recursos que envolvem grampos telefônicos ilegais, afirmam autoridades do judiciário e da segurança pública consultadas pelo GLOBO na última semana.
Usando tecnologia de ponta ou equipamentos rudimentares de grampo, eles atuam na sombra da ilegalidade em busca de informações preciosas de empresas, de escritórios de advogacia e políticos, ou mesmo buscando provas de infidelidade de executivos e casais.
Ninguém tem escapado da bisbilhotice, nem mesmo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele foi alvo de uma tentativa de escuta clandestina na cidade, descoberta em 2006 e revelada agora. Durante uma varredura, oficiais de sua segurança pessoal encontraram um grampo num dos quartos do Hotel Glória, onde Lula ficaria hospedado em uma visita que faria ao Rio.
Outro que ficou na mira de arapongas foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Agentes de sua segurança pessoal encontraram um gravador na caixa telefônica de uma pousada em Petrópolis onde FH se hospedaria. O gravador foi encontrado quatro horas antes de sua chegada.
Interceptações serão reunidas em banco de dados
Legalmente, segundo levantamento em curso na Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça (TJ), a polícia tem 3.825 telefones interceptados em 774 investigações no Rio. Mas os números podem ser maiores, já que a Justiça federal e a Justiça Militar — que também autorizam interceptações legais — não tem levantamento atualizado.
A desordem e o pouco controle dos grampos legais levou o desembargador Luiz Zveiter, corregedor-geral, a determinar que todas as interceptações telefônicas feitas pela polícia passassem a ser postas num banco de dados, criptografado. Somente os juízes e um grupo seleto de auxiliares teriam acesso ao banco.
Segundo Zveiter, cada novo pedido terá de ser feito por meio de uma rede ligada aos 13 núcleos regionais da corregedoria. Os dados serão inseridos no sistema de forma padronizada, constando o número do telefone, o endereço e o prazo da interceptação. De acordo com o desembargador, havia, por exemplo, pedidos deferidos em que o texto citava apenas um número de telefone e incluía a palavra “outros” na solicitação, possibilitando, com isso, a interceptação de qualquer número.
— Constatamos que não havia um controle das interceptações e foi difícil descobrir alguém que soubesse no TJ, exatamente, quantas interceptações estavam em curso no estado. Faltava uma fiscalização mais rigorosa — disse Zveiter.
Em março deste ano, O GLOBO publicou reportagem mostrando que, apenas em 2007, foram realizadas em todo o país 409 mil escutas telefônicas em linhas fixas e celulares com autorização judicial. Os números — que representaram quase 1.120 pedidos diários no ano passado — foram divulgados pelas operadoras de telefonia à CPI do Grampo na Câmara.
A CPI foi criada em dezembro de 2007, após suspeita de que ministros do Supremo Tribunal Federal tiveram telefonemas grampeados.
DECISÃO DO TJ DIVIDE OPINIÃO DE ESPECIALISTAS
Para desembargador, ninguém garante que banco será inviolável
A criação do banco de dados pelo Tribunal de Justiça causou polêmica. Policiais civis e federais, além de promotores e procuradores, temem que isso possa comprometer o sigilo das investigações, principalmente em relação ao crime organizado. O advogado Leonardo Pietro Antonelli, professor da Escola de Magistratura do Estado do Rio (Emerj) e da Uerj, tem outra opinião. Segundo ele, todo mundo já ouviu falar em grampos legais e ilegais, mas os trabalhos desenvolvidos pela CPI do Grampo demonstraram existir uma terceira espécie bastante difundida: o “grampo legal-ilegal”:
— São ordens judiciais que autorizam a interceptação de determinada linha e de “outras”, possibilitando a ampliação indeterminável. Quebras concedidas nos plantões noturnos do Judiciário, como se fosse operacionalmente possível cumpri-las à noite. A banalização é evidente, e alguma providência tem de ser tomada para regulamentar a quebra. A interceptação pode e deve ser concedida pelo magistrado, respeitando-se a lei e o devido processo legal.
Magistrado teme riscos para o estado de direito
Também preocupado com a criação do banco de dados, o desembargador Geraldo Luiz Mascarenhas Prado lembrou que “toda iniciativa no sentido de preservar o estado de direito deve ser aplaudida” e afirmou que o abuso no emprego das interceptações telefônicas e a falta de controle justificam medidas como esta tomada pela Corregedoria do TJ. Mas disse discordar de uma parte da medida relacionada aos graves riscos que a implementação do sistema pode causar ao estado de direito:
— Criar o banco de dados é algo como usar um remédio tão poderoso que termina com a doença ao custo da morte do paciente. Para proceder o controle e tentar evitar os abusos, o provimento da Corregedoria prevê que o sistema de informática seja municiado com o número de todas as linhas telefônicas monitoradas. Cria-se um banco de dados (criptografado), mas que ninguém pode garantir que seja invulnerável. Somente o juiz de cada processo, o delegado de polícia e, oportunamente, as partes podem ter acesso a estes dados, sob pena de violação da intimidade — afirmou o desembargador.
O presidente da CPI do Grampo, deputado federal Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), disse que a CPI foi instalada para investigar as informações de que cinco dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram, supostamente, seus telefones grampeados clandestinamente.
— A privacidade é um direito fundamental garantido ao cidadão pela Constituição e que só pode ser violado no caso de uma ação policial de interceptação telefônica, com determinação da justiça e quando não for mais possível obter as informações por outros meios.
Fonte O Globo 9/6/2008, p.9
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