quarta-feira, 18 de junho de 2008

POBRES EM ESTADO DE SÍTIO NO RIO DE JANEIRO


Irmãs de vítimas se sentem ameaçadas com presença dos soldados

Segundo elas, militares devem sair do Morro, onde eles não são bem aceitos.

E dizem que crime não foi um caso isolado: violência acontece desde ano passado.


Abaladas com a morte dos três jovens do Morro da Providência, as irmãs de duas vítimas e uma vizinha próxima às famílias afirmam que se sentem ameaçadas pela ocupação do Exército e contam que têm a impressão de que os soldados que estão no Morro da Providência “debocham” do fato.

Nascida e criada na comunidade há 45 anos, Rosiete Marinho, vizinha das vítimas, conta que viu os jovens serem espancados e explica como ainda conseguiu socorrer dois deles. “Os militares já chegaram batendo. Eles estavam irados, numa revolta muito grande. Mas um (dos jovens) eu botei pra correr e o outro escondi na minha casa.”

Fato não foi um caso isolado, diz vizinha

Segundo ela, a violência contra os moradores da comunidade acontece desde novembro do ano passado e a morte dos jovens não foi um caso isolado. “Nós já estamos sendo violentados há muito tempo, com espancamentos, arrogância, prisões indevidas e agora as mortes dos meninos pelo Exército. Hoje nós estamos vivendo uma vida massacrada, não podemos ter atitude, temos horário para entrar e sair, uma vida ridícula, sobressaltados com medo de eles invadirem nossa casa.”

Rosiete fala também que, apesar do crime, soldados que seguem ocupando o morro não parecem se importar com a morte dos jovens. “Eles cantam e dançam, parecem até que tripudiam da nossa dor. Desde o início, o Exército vem maltratando outros moradores. Eles mexem com as moças que chegam da escola à noite. Com medo muitos (moradores) dormem em outros lugares e só voltam para casa na manhã do dia seguinte”, relata.

Segunda vítima da violência na família

Irmã de Wellington Gonzaga da Costa, Érica Gonzaga de Souza quer que o Exército deixe o Morro da Providência. “A comunidade ficou revoltada nesse caso que aconteceu. Todo mundo quer a retirada do Exército da comunidade porque pode acontecer de novo e as mães estão com medo que aconteça com seus filhos”.

Mãe de três meninas, Érica conta que o irmão era apegado às sobrinhas, que perderam o pai cedo. “Ele queria dar o exemplo para elas.” Aos 26 anos, ela diz que essa não é a primeira vez que sente a perda de um familiar próximo. “Perdi um irmão há 11 anos de bala perdida, no Centro. Minha mãe está muito abalada porque já teve uma perda.”

Érica nega que Wellington tivesse passagem pela polícia - diferentemente do que afirma a polícia - e diz que, após trabalhar como entregador de pizza e numa papelaria, seu irmão estava desempregado havia um mês, mas estava animado para trabalhar na obra social da comunidade.

Ela descreve Wellington como um jovem alegre e brincalhão, tranqüilo, que nunca teve envolvimento com drogas. “Como todos os jovens da comunidade, ele sempre ia aos bailes funks. É hábito dos jovens chegarem do baile e ficarem na praça conversando. As meninas também ficam na pracinha”, esclarece.

Irmã fala de Marcos Paulo

Para Cristiane Barbosa, seu irmão de criação, Marcos Paulo Campos, também era brincalhão. “Ele era uma criançona, um menino que estava começando a viver e só sabia brincar, ficar zoando, era um moleque. A gente sempre falava que ele não ia crescer.” Desde os 5 anos, Marcos morava com a mãe de Cristiane. “Ele não tinha família. Morava com a avó, que faleceu quando ele tinha 5 anos de idade. A mãe dele era de rua. Então, minha mãe pegou ele pra criar.”

Ela fala que o jovem largou a escola em meados do ano passado porque queria trabalhar, chegou a fazer um cursinho de informática, mas abandonou e fez alguns bicos nesse período. “Ele gostava de sair, de ir a baile funk, estava começando a se divertir, a curtir a vida. Toda hora tinha uma namoradinha ligando para ele. Ele tinha largado o colégio para trabalhar. O sonho dele era arrumar um trabalho, pra ajudar a minha mãe.”

Segundo sua irmã, Marcos, de 17 anos, era vascaíno doente e não tinha envolvimento com o tráfico local nem gostava de brigas. “Ele nunca se envolveu em briga, tanto que estava parado, encostado num poste, quando um soldado chamou. Ele falou que não fez nada, mas o soldado levou ele mesmo assim. Ele não chegou a discutir e brigar. Estava apenas perto dos outros.”

Assim como os outros moradores da Providência, Cristiane, mãe de três filhos, quer que os militares deixem a comunidade. “O que a gente quer de imediato é que os militares saiam daqui. A gente está se sentindo ameaçado com eles aqui. Nós temos outros irmãos e penso nos meus filhos. Eles (os soldados) ficam debochando da cara da gente. A gente fica com medo deles. É o contrário. Era pra gente se sentir segura com eles. Está todo mundo em pânico aqui.”

Passagem pela polícia

Procurada pelo G1, a 4ª DP (Praça da República) confirmou que, dos três jovens mortos, dois tinham passagem pela polícia: Wellington por associação para o tráfico de drogas e David por porte ilegal de armas e corrupção de menores.

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