Militares na Segurança Pública do Rio: é preciso muita cautela
O emprego de militares das Forças Armadas, no campo da segurança pública, só se justifica para por fim à grave perturbação da ordem pública, conforme previsto no texto constitucional, com a decretação, pelo Presidente da República, da intervenção federal sobre a autonomia do estado-membro, ou no caso previsto na Lei Complementar 097/99, após esgotados, pelo estado, todos os instrumentos destinados à preservação da ordem pública . Neste caso terá que existir pedido formal emanado do chefe do poder executivo estadual, situação em que a lei estabelece que o controle das operações, para garantia da lei e da ordem, será transferido então para a força federal. Em se tratando, obviamente, de operações em terra o comando das medidas preventivas e repressivas caberá ao Exército. Isso significa dizer que o aparelho de segurança do estado passa então a subordinar-se ao comando militar da área.
Numa situação de quadro ainda mais grave, de iminente estabilidade institucional, a Constituição Federal prevê, como salvaguardas, o estado de defesa e até mesmo a decretação do estado de sítio. No estado defesa, caso previsto no artigo 136 da Constituição, decretado no prazo máximo de 30 dias, prorrogável por uma só vez, deve o Presidente da República submeter o ato, dentro de 24 horas, ao Congresso Nacional que decidirá pela sua aprovação ou não.
Observa-se então que a atuação Forças Armadas no campo da segurança república é mais delicada do que possa imaginar, sendo estas destinadas constitucionalmente `a defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. O que ocorreu, por exemplo, no final de 1994 e inicio de 95, no desencadeamento da chamada Operação Rio, onde as forças federais atuaram operativamente no asfalto e em morros e favelas, com subordinação das forças de segurança do estado ao Exército, não foi ato objeto de legítima intervenção federal, mas pura iniciativa da União, tendo sido chamada aquela intervenção branca pelos estudiosos na época de "ingerência consentida".
Há que se ter em mente então que sem o necessário respaldo jurídico constitui risco iminente qualquer atuação de integrantes das Forças Armadas na segurança pública, devendo ser ressaltado, por exemplo, que o superior hierárquico não poderá determinar ao subordinado que elimine o "inimigo", com numa situação de guerra, pois também responderá pela autoria do crime. No campo da segurança pública a responsabilidade é individual, Cada um responde por sua ação ou omissão. Detalhe: até hoje alguns militares respondem judicialmente por atos praticados durante intervenções realizadas na área de segurança pública no Rio de Janeiro tempos atrás.
No caso atual do Morro da Providência, no Rio, a atuação do Exército se prende, pura e simplesmente, às missões (inusitadas) de guarda e proteção de bens e serviços ora executados pelo governo federal na reurbanização daquela localidade, situação esta, em sendo a área sujeita a permanente tensão pela ação de narcotraficantes, que evidentemente coloca em risco a atuação de militares na missão extra- muros. Precisam estar bem instruídos para a difícil e complexa missão. Ainda que a cautela recomende aguardar primeiramente a apuração dos fatos, o recente episódio que envolve três jovens residentes naquela localidade, em ocorrência com a intervenção e participação de militares, demonstra, inequivocamente, a complexidade da atuação das forças de segurança, em áreas conflagradas pelo tráfico, num estado democrático de direito, quer sejam elas forças federais e estaduais que ali atuem.
É bom que fique claro, muito embora ainda imaginem alguns estrategistas, que o Rio não é a Colômbia nem tampouco o Haiti. Nem sempre as mesmas soluções aqui se aplicam. A criminalidade do Rio é atípica, portanto caso de difícil e complexa solução. É necessário estar preparado técnica e psicologicamente para atuar de forma equilibrada par intervir em locais de difícil acesso, em morros e favelas, em presença de civis, respeitando os limites da lei e da legítima defesa, num quadro de legalidade ordinária, dentro de um estado democrático de direito.
Que sejam alertados portando os bravos soldados de Caxias.
*Milton Corrêa da Costa é Tenente Coronel PM do Rio e estudioso em segurança pública
Nenhum comentário:
Postar um comentário